Friday, June 08, 2012

Vitória de Rama-IV

Pedro J. Bondaczuk

(Poema inspirado na epopéia indiana, “A Ramaiana”)

Continuação

(...)passar privações e ser condenada

à indiferença, ao esquecimento,
dos prazeres eróticos privada,
vivendo dos desejos o tormento?!
Quão profunda indigência é a sua,
pois você desconhece as homenagens,
e tem por leito só a terra nua
e por alimentos, frutos selvagens!
Escuta, bela, não sou quem pareço,
porque contrario as naturais normas
e em sendo feliz, alegre e travesso,
a meu grado, posso tomar as formas

que quiser, porque recebi do ser
que é por si próprio vivo, existente,
este magno e inimitável poder
de me transformar naquilo que tente.
Sou poderoso, viril e fecundo,
tenho aquilo que pouco homem tem,
a minha força é célebre no mundo,
sou o senhor de prolífico harém.
Vem partilhar a minha realeza,
ó doce, meiga Sita, radiosa,
minha bela, apetitosa princesa,
farei de você a primeira esposa.

Vem comigo, me consumo de amor,
vem pra minha esplêndida capital,
você brilha, como menina flor,
como as cores rosadas do coral.
Vem comigo, amada, para reinar
em Lanka, magnífica e majestosa,
que é banhada por verde e calmo mar,
situada em ilha maravilhosa.
Vem, o meu palácio é incomparável,
cercado de terraços deslumbrantes,
você terá em mãos poder notável
e no corpo, prazeres delirantes”.

Assim disse aquele falso mendigo,
lobo voraz em pele de cordeiro.
Porém Sita compreendeu o perigo,
reconhecendo o Rakshara embusteiro.
“Desapareça, monstro miserável!”
exclama a princesa, indignada,
“serei fiel a Rama, herói notável,
que é rocha de virtude inabalada.
Você não conseguirá me manchar,
feio abutre que imita o rouxinol,
como não pode, também, macular
os raios puros, dourados do sol”.

Ravana, demônio libidinoso,
abandona a sua falsa bondade,
ébrio de desejos, mau, furioso,
revela toda a sua fealdade.
Com as suas dez cabeças sem couro,
dentes agudos, cabelos em chama,
o corpo gigante, espáduas de touro,
estremece, esbraveja, grita, clama:
“Ah! Você não me conhece!”, rugiu,
“da minha força não tem consciência,
meu poder nunca ninguém resistiu,
se resistir, recorro à violência.

A minha força é inigualável,
ninguém resiste e se apavora, até,
e, comparado ao meu poder, notável,
o de Rama é pífio, nada é.
Sou duro, impiedoso senhor da guerra,
e guerreio somente por esporte,
se desejar, posso abalar a terra
e com as mãos matar a própria morte,
pois meu poder e força não têm fim.
Nas batalhas semeio o terror
e dos corpos faço lauto festim:
lutarei e serei o seu senhor!”

Contando vantagens e valentias,
fazendo desafios e bravatas,
com violência e com aleivosia,
embrenhou-se, com Sita, pelas matas.
“A mim, Rama! Vem a mim, ó Lakshmana!”,
gritava a princesinha, apavorada,
nos braços monstruosos de Ravana
retida, com firmeza, manietada.
Porém Rama e Lakshmana, à distância,
os clamores, aflitos, não ouviam,
apesar do desespero, da instância
com que os gritos o espaço fendiam.

O demônio, embusteiro, de dez caras,
fugia, com grande velocidade,
parecia que o vil rei dos Raksharas
era o vento veloz da tempestade.
Sita recobrou-se, devagarinho,
já a mata se perdendo de vista,
e espalhou suas jóias no caminho,
para Rama encontrar a sua pista.
Seu amor deu-lhe forças e coragem,
não se abalou a sua confiança
que a acompanhou na sua viagem:
e Sita não perdeu a esperança.

O desespero profundo e atroz
apossou-se de Rama e do irmão,
que até chegaram a perder a voz.
E a ira lhes cresceu no coração.
Varreram a mata, em todos sentidos,
tendo nas mãos uma pesada clava.
“Inútil!”, concluíram, ressentidos,
e sua angústia se multiplicava.
Já próximos da noite, todavia,
ao macaco Hanumat encontraram
(era filho de Maruta, ventania)
e a ele o acontecido narraram.

Para Lanka, execrável capital
do reino dos Raksharas, conduzida,
a imensa lealdade conjugal
fora, por Sita, até então mantida.
Às horrendas Rakshasis fora entregue
para que, em ardil libidinoso,
Ravana, rei vil, que tudo consegue,
a fizesse esquecer do amado esposo.
Carícias, lisonjas, ardis, torturas,
todas as armas do engano e mentira,
blandícias suaves, falsas ternuras
eróticas danças ao som da lira
(...)

Continua


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