Pedro J. Bondaczuk
O hábito de colecionar objetos entrou cedo, muito cedo na minha vida. Minha primeira coleção foi a de boa parte dos garotos da minha geração: a de figurinhas. Quando eu era menino, estas não eram vendidas em pacotinhos, nas bancas de revistas, mas vinham embrulhando balas. Retiravam-se os respectivos álbuns, que eram gratuitos, nos bares em que essas guloseimas eram vendidas. Muitas crianças tiveram a dentição precocemente comprometida em decorrência desse hábito, para desespero, claro, dos adultos.
A primeira coleção que fiz data de 1949. Foi das balas “Pão Duro”, que tinham esse pitoresco nome não em alusão às pessoas avarentas, como possa parecer, mas em decorrência da dureza, da solidez dos tais caramelos em que as figurinhas vinham embrulhadas. Por mais que tentasse, não conseguiria mastigá-las. Tinham que ser chupadas até o fim e, se a memória não me falha (pudera) esse processo chegava a durar uma hora ou mais. Quanto mais comprova as tais balas, no afã de preencher logo o álbum, que dava brindes aos que lograssem essa façanha, maior era seu “estoque” em casa, dada a impossibilidade de “consumi-las” todas, para desespero e irritação dos pais.
A coleção que veio a seguir foi de figurinhas alusivas ao que se tornou uma grande paixão minha, que persiste até hoje no menino que sobrevive neste quase ancião: o futebol. O processo era o mesmo do que mencionei antes. Retirava-se o álbum nos bares que vendiam o produto em que as figurinhas vinham embrulhadas. E este, óbvio, também era bala. Só que, ao contrário das tais Pão Duro, essas eram moles, deliciosas, com sabor de coco. Cada tostão que eu conseguia arrancar dos adultos – pais, tios, avós ou primos mais velhos – “investia” nessas guloseimas (que eram baratas), e por duplo motivo: por causa do sabor das balas (uma delícia!) e para preencher, o mais rápido possível, os tais álbuns.
Por mais que investisse nisso, levava um tempão para conseguir esse preenchimento. Às vezes, em uma caixa, com cem unidades, eu conseguia, apenas, quinze ou vinte figurinhas que ainda não tinha. Guardava as repetidas para trocar com outros garotos. Eram intensas essas trocas que, hoje, entendo que eram uma espécie de treinamento para as transações comerciais que faço até hoje. Afinal, as brincadeiras infantis (salvo exceções) têm lá sua importância educativa. Que mais não seja, por exemplo, servem para estimular a imaginação das crianças. E como estimularam!
Nesse processo primitivo e infantil de “escambo”, as figurinhas tinham valores variáveis, de acordo com sua raridade. Era nossa primeira lição da lei natural de mercado, a de oferta e procura. Havia as que, a cada dez “Balas Futebol” (esse era o nome do produto) que se desembrulhava, apareciam em oito. Eram uma praga! Não dava nem mesmo para efetuar trocas por elas, pois todos os colecionadores do bairro (ou quase todos) as tinham. Usávamo-nas, apenas, para jogar “bafo” (os meninos da minha geração sabem a que me refiro). Em cada bala, permitam-me informar, vinham três figurinhas. Em uma caixa, portanto, vinham trezentas, número suficiente (ou quase) para preencher um álbum inteiro, caso não houvesse nenhuma repetida. Mas... havia, é claro. E muito mais do que desejávamos.
As figurinhas mais valiosas eram as carimbadas. Traziam um carimbo com o logotipo da fábrica das balas. Essas eram raras, raríssimas e, mesmo quando as tirávamos repetidas, não reclamávamos. Afinal, constituíam um “capital” precioso no processo de troca. Cheguei a trocar uma delas, a do Bodinho, jogador do Internacional de Porto Alegre, por dez figurinhas que eu não tinha. Perdi a conta de quantos desses álbuns preenchi. Mas foram muitos. Dez? Talvez! Desconfio, até, que foram mais.
De um ano para outro, as “Balas Futebol” modificavam seus álbuns, atualizando os “plantéis” dos times, o que nos motivava a nunca parar de fazer essas coleções. Além disso, reitero, essas balas eram deliciosas (ainda sinto, passados sessenta anos, seu sabor, retido intacto em minha memória gustativa). Devo ter feito tais coleções por cinco ou seis anos. No ano do quarto centenário da cidade de São Paulo, em 1954, tenho certeza que colecionei as “Balas Futebol”. Desconfio que foi a última coleção. Não sei por que parei de colecionar. Provavelmente, porque a guloseima foi retirada do mercado, com suas respectivas figurinhas.
Ao longo dos anos, continuei cultivando o hábito das coleções. Por muito tempo, por exemplo, transformei-me num apaixonado filatelista. Cheguei a ter mais de um mil selos, de diversos países, alguns deles raríssimos. Nunca soube onde foi parar todo esse material. É até possível que esteja em meu poder, mas acumulando poeira no depósito de coisas velhas, desses que quase todos têm, o das tais velharias que a gente guarda achando que algum dia serão úteis, mas que nunca são.
Colecionei, ainda, revistas (cheguei a ter coleções de pelo menos dezoito delas), mas destas me desfiz por rigorosa falta de espaço, com exceção de quatro (“X-9”, “Meia-Noite”, “Suspense” e “Mistério Magazine de Ellery Queen”, todas de contos policiais). A bem da verdade, continuo sendo compulsivo colecionador, mas desta vez de e-books, o que é mais prático, por não ocupar espaço, a não ser da memória do meu computador e, principalmente, por ter muito maior utilidade. Mas, sobre esta coleção (e sobre algumas outras) prometo comentar em outra oportunidade. Ou não, sei lá...
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment