Pedro J. Bondaczuk
O drama vivido pelo Camboja, notadamente na década de 70, de triste memória para a sua população, é semelhante ao de muitos países que vivem períodos de conflitos internos e de instabilidade institucional. Ao cabo de certo tempo se vêem arrasados em todos os aspectos, com o tecido social esgarçado (para não dizer em farrapos), com a economia exaurida, privados de suas principais fontes produtivas e, sobretudo, com a infraestrutura – usinas de eletricidade, rodovias, pontes, viadutos, represas, portos, aeroportos etc.) totalmente destruídos.
Sem ajuda externa de grande monta, esses Estados têm imensa dificuldade de se recuperar. Alguns não se recuperam nunca. Outros levam décadas, exigindo ingentes sacrifícios de toda uma geração da sua população. Os primeiros anos após o conflito são duríssimos. Além da absoluta carência material, seus habitantes têm que conviver com a dor da perda de parentes, de pais, filhos, irmãos etc., mortos em combates ou em decorrência destes.
O Iraque tem que conviver com essa realidade. O Afeganistão idem, assim como as seis repúblicas que integravam a extinta Iugoslávia, federação que se desintegrou em meio à violência e à sistemática destruição e não apenas na Bósnia, o palco de confrontos armados mais citado, mas também (e principalmente) no Kosovo, entre outras localidades. No continente africano isso é até mais comum, posto que menos citado pela imprensa internacional.
O Camboja passou por esse problema desde a deposição, através de um golpe de Estado, de Norodon Sihanouk, até sua restauração no trono, quase dez anos depois, quando recebeu um país destruído, enfraquecido, desmoralizado e falido, com o desafio de reconstruí-lo no tempo mais rápido possível. Para isso, teria que correr atrás de recursos para reconstruir cidades inteiras e praticamente toda a infraestrutura nacional. Bem ou mal, conseguiu, graças, principalmente, à tenacidade do seu povo.
O Camboja, no início do conflito, tinha uma população de 7,2 milhões de habitantes. Ao cabo dele, esta ficou reduzida à metade. É verdade que essa redução não se deveu toda ela às mortes registradas no período. Quem teve condições, emigrou para países vizinhos, notadamente a Tailândia. Mas muitas e muitas pessoas morreram. É impossível contabilizar com exatidão quantas foram essas mortes. Apenas no genocídio, comandado pelo truculento e odioso líder do Khmer Vermelho, Pol Pot, estima-se que o número de mortos tenha sido de cerca de um milhão e meio de cambojanos. É possível que tenham sido até mais. Isso nunca se saberá com exatidão. E mesmo que a cifra exata tenha sido esta, ela representava um quinto da população do Camboja de então.
A derrubada da ditadura do Khmer Vermelho, por parte das tropas do Vietnã, se livrou o país de um flagelo terrível e monstruoso, isso não foi feito sem sacrifícios materiais e, sobretudo, humanos quase intoleráveis. Teve um custo, em vidas e em bens, altíssimo, diria proibitivo. Nunca se soube quantos cambojanos morreram nas operações militares vietnamitas para depor Pol Pot e expulsar seus comandados para as selvas, onde sustentaram combates por muito tempo depois da deposição. É até possível que esse número tenha se aproximado ao do genocídio, sabe-se lá.
Para derrubar a ditadura do Khmer Vermelho, as tropas vietnamitas empregaram a mesma tática que havia sido utilizada pelos norte-americanos no Vietnã. Ou seja, empregaram o bombardeio de exaustão, destruindo, sistematicamente, rodovias, pontes, ferrovias etc., além da totalidade do sistema de comunicação do Camboja. As armas empregadas na ofensiva, como canhões de 105 e 155 milímetros e tanques M-113, assim como os aviões, bombardeiros F-5 e caças A37, foram os tomados dos soldados dos Estados Unidos.
Cem mil combatentes, mobilizados em 14 divisões, foram usados para escorraçar Pol Pot e seus asseclas do poder. Mas a que custo? A operação toda completou-se rapidamente e em 7 de janeiro de 1979, os vietnamitas tomaram Pnhom Pehn. Estava terminado um pesadelo, mas outro recomeçava. A capital cambojana, assim como o restante do país, estava reduzida a escombros. Sua população, que chagara a ser de dois milhões de habitantes, antes da deposição de Norodon Sihanouk, estava reduzida a 20 mil pessoas. Era uma “cidade fantasma”.
Hoje, a população do Camboja é estimada em 14,9 milhões, dos quais 90% são da etnia khmer, 5% vietnamitas e 5% de outras. Oitenta e cinco por cento dos cambojanos são camponeses e apenas 15% residem em cidades. O que mais chama a atenção é o alto índice de analfabetismo, em torno de 63%. De fins da década de 80 até os primeiros anos do século XXI, o crescimento do Produto Interno Bruto foi expressivo, na média de 5,5% ao ano, principalmente por causa de investimentos estrangeiros no país. Isso acelerou a reconstrução da infraestrutura e colocou o Camboja na trilha do desenvolvimento.
Há, claro, muito ainda a ser feito no país. A renda per capita cambojana, por exemplo, ainda é bastante baixa, em torno de US$ 260 anuais. A mortalidade infantil é de 103 por cem mil nascimentos e a expectativa média de vida é de 51,5 anos para os homens e de 55 anos para as mulheres. O pior dos dados sociais é o que se refere à taxa da população abaixo da linha de miséria, que é de 32% de todos os cambojanos, o que reflete, sobretudo, a péssima distribuição de renda. Mas, diante de tudo o que passou, na fatídica década de 70 do século XX, não se pode negar que a reconstrução do Camboja tem se revelado miraculosa, diria, até “épica”. Que continue assim!
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