Pedro J. Bondaczuk
O circo é presença recorrente (e no meu caso, obrigatória) na memória de várias pessoas, notadamente as da minha geração. Lembro-me, com saudade, de várias tardes de domingo em que pude rir com espontaneidade e alegria das ingênuas travessuras dos palhaços; em que me mantive tenso, assustado e sem fôlego com as peripécias dos trapezistas (alguns faziam seus números com tamanha perícia e confiança, que dispensavam redes de proteção) e em que fiquei intrigado e confuso com os truques dos mágicos, que acreditava serem mesmo atos de magia. Nenhum outro tipo de diversão produziu-me, depois, (e nem produz agora) tão genuína, espontânea e completa satisfação.
Na minha memória foram retidos, e permanecem mais nítidos e vivos do que nunca, não apenas as atrações do picadeiro. Lembro-me dos cheiros de serragem dos circos que frequentei, dos gostos das guloseimas com que me deliciava durante e nos intervalos dos espetáculos, da rusticidade das arquibancadas de madeira, das luzes e dos sons que emanavam dessas imensas tendas, que eram garantia de novidades e, sobretudo, de diversão. De muita e sadia diversão.
Hoje, com o sem-número de opções que há para divertir e distrair as crianças, esse tipo de lazer vai perdendo, gradativamente, espaço. Infelizmente, parece fadado a desaparecer. Uma pena! Algumas companhias circenses ainda resistem galhardamente, mas atraem cada vez menos expectadores, principalmente seu público-alvo preferencial: meninos e meninas na faixa etária dos seis aos doze anos.
Antes do advento da televisão e muito antes do aparecimento dos jogos eletrônicos, dos vídeogames, numa época em que sequer se cogitava da existência de computadores, e muito menos desses práticos e cada vez mais acessíveis, os pessoais, batizados genericamente de “PX”, o circo era o grande e, virtualmente único meio de diversão das crianças fora de suas casas. Aos adultos estavam reservadas outras atrações (nerm tão atraentes assim), como o teatro, os cafés, os serões caseiros e outras tantas formas similares de lazer.
Estranho, sobremaneira, como esses locais tão importantes na vida de tantas pessoas, mundo afora, foram tão pouco utilizados na literatura, como cenários de tragédias e de comédias. Lembro-me, por exemplo, apenas de um conto, de Franz Kafka, intitulado (se não me falha a memória) de “O trapezista”, em que o ambiente circense é usado para a ambientação da obra literária. Claro que devem haver outros, mas poucos. Tanto que não me lembro de nenhum outro.
Todavia, um dos romances mais comentados da atualidade, sucesso de crítica e de vendas nos Estados Unidos, lançado em mais de trinta países e que está chegando, agora, ao Brasil, tem como “palco” do seu enredo justamente um desses locais que me despertam tamanha nostalgia e tão aguda saudade. Refiro-me ao livro “O circo da noite”, de Erin Morgenstern, lançamento da editora Intrínseca, com tradução de Claudio Carina. A história segue (guardadas as devidas proporções) a mesma linha de “Crepúsculo”, de Stephenie Meyer e da série “Harry Potter”, da inglesa J. K. Rowling.
O enredo gira em torno de dois magos, Celia e Marco, envolvidos em um misterioso desafio e é ambientado, como o próprio título avisa, em um circo. Passa-se no século XIX, período em que, provavelmente, ocorreu o auge do interesse popular por esse tipo de espetáculo. Trata-se do livro de estréia da autora e, como se vê, ela, de cara, “acertou na mosca”. O sucesso do romance é tão grande, que já foi assinado contrato para ser levado às telas do cinema. Presumo que ouviremos falar muito, ainda, dessa jovem (tem 33 anos de idade), bonita (com “estampa” de estrela de Hollywood) e promissora romancista.
Muitos já se apressam em afirmar que Erin Morgenstern desponta como legítima “sucessora” dessas duas “Midas de saias” (que transformam em ouro tudo o que tocam) que são Stephenie Meyer e J. K. Rowling. Discordo dessa idéia de sucessão. Diria, como dizem os norte-americanos (não sem antes assumir ares de ironia): “bushit”. Ou seja, besteira!
Em literatura não existe essa história de sucessão. Todos podem conviver harmonicamente, não importando sua época, idade, tema, gênero ou estilo, já que, se a obra que produzirem for realmente boa, conviverá sem choques e nem competições, por anos, décadas, séculos ou, quem sabe, milênios após a morte dos respectivos autores. A propósito, lembro-me de um caso envolvendo o magnífico (e perdoem-me o adjetivo, mas ele merece) poeta gaúcho, Mário Quintana.
Perguntaram, em certa ocasião, ao meu ilustre conterrâneo, quem ele achava que era o melhor escritor daquela época. Ele não titubeou. Respondeu na bucha: “Parem com isso! O escritor não é cavalo de corrida que, para ser bom, tem que chegar na frente de outro”. E não tinha razão?! Claro que sim! O fato de apreciar Machado de Assis, por exemplo, não significa que o considere superior (ou inferior) a Jorge Luís Borges. Posso apreciar ambos (e aprecio mesmo), sem, necessariamente, considerar um melhor do que o outro. E isso vale em relação a todo e qualquer escritor.
Mas, voltando a Erin Morgenstern, e seu bem-sucedido livro de estréia, lembro de recentíssima entrevista dela publicada pela revista semanal “Época”. Indagada por que a literatura fantástica é tão popular atualmente (e ela segue, nitidamente, essa linha temática), a jovem (e belíssima) escritora respondeu: “Eu acho que a literatura fantástica tem crescido não só entre os leitores, mas tem chegado mais aos cinemas e à televisão. Eu cresci lendo contos de fadas e livros cheios de magia, e não precisei abandonar a fantasia quando me tornei adulta. Tenho impressão que muitos leitores também se sentem assim”. Eu também me sinto dessa maneira, ora, ora, Erin. Afinal, convive em mim (e conviverá enquanto eu viver), e mais viva do que nunca, a criança inquieta e curiosa que um dia fui (ou, na verdade, ainda sou).
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