Pedro J. Bondaczuk
“O assunto dita o estilo”. Essa constatação, apresso-me em esclarecer, não é minha (poderia ser), mas de meu ilustre conterrâneo, Érico Veríssimo. O esclarecimento vem a propósito não do fato de eventualmente eu não concordar com o que ele escreveu (com o que, aliás, concordo sem piscar), mas para dar o devido crédito a quem merece.
Isso foi escrito há muito tempo, em 1939, antes do meu nascimento, no ensaio “Os problemas do romance”, publicado no jornal “Folha da Manhã” – que nem sei se ainda existe, presumo que não – em 13 de agosto do referido ano. Na verdade, extraí o texto de um livro que considero uma preciosidade. Refiro-me a “Figuras do Brasil – 80 autores em 80 anos de Folha”, comemorativo ao 80º aniversário desse jornal, transcorrido há já algum tempo.
E por que volto a tocar num assunto tão recorrente, o que se refere a estilo, sobre o qual já escrevi tanto? Porque em nenhum dos meus textos anteriores a propósito abordei esse aspecto. Não estou, pois, sendo repetitivo, o que sempre evito, para não aborrecer meus ilustres leitores. Ademais, há uma idéia equivocada a esse propósito. Há quem entenda (e assegure) que o estilo é um só e único, não importando o gênero que se esteja abordando. Não é. Não componho, por exemplo, um poema da mesma forma que redijo um ensaio, ou um conto, ou uma crônica e muito menos um romance. E nem escrevo estes com a linguagem e os recursos utilizados em uma novela ou peça teatral. Portanto, quando nos referirmos a estilo de determinado escritor, entendo que essa referência deva vir no plural.
Érico Veríssimo escreve: “Uma cena de miséria e tristeza descrita com estilo pomposo e florido não comove nem convence. Um colóquio entre pessoas inteligentes num ambiente fino, descrito com linguagem desalinhavada e incorreta, é um contra senso. Repito: o assunto dita o estilo”. E não dita? Querem uma justificativa mais convincente e apresentada de maneira tão sóbria? É coisa de quem entende do riscado. Não por acaso, este meu ilustre conterrâneo é reverenciado, com toda justiça, como um dos melhores escritores brasileiros de todos os tempos, mito das letras nacionais.
Importante, todavia, é esta ressalva que Érico faz na sequência: “ Mas, de um modo geral, este (o estilo) deve ser tanto quanto possível sóbrio, para que a atenção do leitor não se desvie da ação do romance para a linguagem do autor”. Há quem não tome esse cuidado e se dê mal. Há quem se esqueça (ou que talvez não saiba) que a função primordial do romance é narrar uma história, com começo, meio e fim, e não a de ensejar uma não raramente inútil e dispensável “pirotecnia” verbal. Caso queira esbanjar conhecimento e domínio vocabular, que escolha o gênero adequado para tal e aí sim mostre todo seu talento e habilidade (se de fato os tiver, claro).
Mas Érico Veríssimo ainda ressalta, não em tom professoral, mas de forma íntima, coloquial, como a sugestão de alguém mais experiente e vivido a discípulos neófitos: “Para mim as qualidades essenciais do estilo devem ser as seguintes: clareza, simplicidade e graça. Não precisarei dizer o que é ‘clareza e simplicidade’, mas se quisesse definir ‘graça’, confesso que não o saberia”. As duas primeiras características ideais de estilo eu já havia recomendado, em testos anteriores sobre o assunto, muito antes de haver lido o texto de Érico Veríssimo.
Lembro que publiquei uma crônica cujo título é, por si só, um baita desabafo “Como é difícil ser simples!”. Quanto à clareza, vivo “batendo nessa tecla” Considero-a não apenas virtude estilística, como fator essencial a todo e qualquer redator que se preze (seja ele escritor, jornalista ou filósofo). De que me vale trazer à baila algum assunto original e útil se o fizer em linguagem empolada e confusa, repleta de jargões, inteligível somente para meia dúzia de iniciados? A Literatura é, primordialmente e antes de tudo, atividade de comunicação. E só nos comunicamos com eficácia e verdade quando somos entendidos, sem dúvidas e nem ambiguidades.
Quanto à graça, que um bom estilo deve, igualmente, privilegiar, a exemplo de Érico, também não sei definir com a precisão que tanto apregôo. Quem é escritor, todavia, sabe, por intuição, a que nos referimos, tanto meu conterrâneo quanto eu. E se eu quiser esbanjar eventual facilidade que possua para criar metáforas pertinentes e inteligentes, o que faço? Simplesmente abro mão desse talento especial? Não, claro que não. Há um gênero em que isso não apenas cabe, mas até enriquece o texto. É Érico quem nos diz qual: “O ensaísta pode, sem prejuízo do que escreve, entregar-se a jogos de linguagem. O que se lhe exige do estilo é que ele seja enxuto, límpido, correto e que tenha a flexibilidade fria e brilhante do aço”.
Mas evite esse recurso no romance. Nesse gênero isso não cabe. É “um estranho no ninho”. Se não evitar, apenas irá aumentar o número de páginas do seu livro, encarecendo seu custo e talvez até inviabilizando sua publicação. Como se vê, há, aqui, também, um fator pragmático, financeiro, que extrapola o mero campo do estilo literário. Por isso (e para não espantar leitores), Érico reitera sua recomendação: “Quanto à linguagem do romancista, é preferível que ela possua a elasticidade quente e sangüínea da carne, e que se amolde perfeitamente ao fato que está narrando”.
Encerro esta magnífica “aula magna” sobre estilo, ministrada não por mim, óbvio, mas por um dos melhores e mais apreciados escritores brasileiros de todos os tempos, deixo, para sua reflexão, caríssimo leitor que me prestigia com a sua atenção, esta derradeira mensagem do mestre Érico Veríssimo, que data de 13 de agosto (e espero que não se trate de nenhuma sexta-feira) do longínquo ano de 1939: “A linguagem tem de ser um instrumento móvel, ágil, adaptável a todos os propósitos descritivos”. Como se observa, são lições simples, claras e cheias de graça. Isso sim é que é estilo, digno de nota e, se possível, de imitação.
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