Tuesday, June 05, 2012

Vitória de Rama-I

Pedro J. Bondaczuk



(Poema inspirado na epopéia indiana, “A Ramaiana”)



No ar perfumado bailam os cantos
de muitas vinas e liras festivas:
são expressões dos anseios e encantos
do povo, felizes, alegres, vivas.
Nos frontões dos templos maravilhosos,
ao longo das muralhas esculpidas,
nas fachadas dos palácios faustosos,
por sobre as agitadas avenidas
tremulam, azuis e leves, no ar,
as grinaldas de flores coloridas
e, como sutis aves a voar,
as bandeirolas de seda tecidas.

A cidade de Aiodia, majestosa,
está envolta em um rico ornamento,
e, em enorme expectativa, nervosa,
aguarda o solene, especial momento
em que o respeitável rei Daçarata,
com sua pompa, poder, majestade,
--- que o povo ama, venera e acata
pelos seus nove mil anos de idade –,
está prestes, enfim, a coroar
o seu filho e herdeiro, cuja fama
é a “daquele que se faz amar”,
razão pela qual é chamado Rama.

Seus atos são heróicos, são perfeitos,
é príncipe da paz e da esperança,
e, pelo imenso valor dos seus feitos,
fez-se digno da plena confiança.
Abateu muitos monstros traiçoeiros
que todo o povo julgava invencíveis,
socorreu os brâmanes verdadeiros
dos seus muitos inimigos terríveis.
Este príncipe heróico, sangue novo,
está prestes a gravar na história
o seu nome, sua raça, seu povo
e a cobrir Aiodia de glória.

Djaneka, que em Videha reina e habita,
pra conceder a cobiçada mão
da sua filha, a belíssima Sita,
impôs um desafio e condição:
para mostrar destreza e força ativa
e lealdade na competição,
vergar o mágico arco de Siva
e erguê-lo, sem arrastar pelo chão.
Era um arco prodigioso, encantado,
que ninguém nunca pudera curvar,
que num carro, de rodas, atrelado,
mil homens mal podiam arrastar.

Mas Rama, valoroso, não tremeu,
fez, desse dia, em sua vida um marco.
Tomando em suas mãos, ele rompeu,
após ter vergado, o divino arco.
A grande multidão logo se excita,
sai às praças, aos balcões e às janelas
para honrar o conquistador de Sita,
preciosa princesa, bela das belas.
Na escada do palácio Rama avista,
mal contendo o seu brado triunfal,
sua bem-amada, sua conquista,
recompensa de feito colossal.

Porém, de Rama, a força sobre-humana,
de um herói, de um semi-deus verdadeiro,
com outras tantas virtudes emana:
é puro, é leal, é justiceiro,
é liberal, amante da verdade,
que sempre tem positiva mensagem,
como um guardião da honestidade,
pois tem de Indra o valor e a coragem.
Tem firmeza de caráter, decência,
linguagem benévola, afetuosa
e de Vrihaspati a inteligência
dinâmica, jovial, não-maliciosa.

Não vê desdouro nenhum desabono
em trocar suas honras e excelências
de um tão cobiçado e milenar trono
pela mera conquista das ciências.
Está disposto a renunciar à vida,
também à glória, à fortuna que ilude,
ao poder e à pessoa mais querida,
mas nunca abre mão de uma virtude.
Este é Rama, de alma lhana e cordata,
narciso dos deuses, preciosa flor,
primogênito do rei Daçarata,
e o seu mui valoroso sucessor.

Todavia, o destino aos nobres marca
e lhes impõe a sua própria lei:
a esposa preferida do monarca
sonhou que seu filho seria rei.
Numa noite, no auge, no estertor
de uma cópula, quando a razão cessa,
entre gemidos, suspiros de amor,
arrancou de Daçarata a promessa:
embora a todo o povo muito doa,
por ser uma decisão insensata,
ele cingiria a sua coroa
sobre a fronte do príncipe Barata.

Passou o tempo sobre o sucedido.
Rolaram anos, fatos, muita ação.
O rei tinha olvidado o prometido
Até este dia da sagração.
Kikáhi, com materno sentimento,
Sai em defesa desse filho seu:
Reclamou ao marido o cumprimento
Do que há anos havia prometido.
Cessou a alegria dessa festa.
Pela turba passou grande frêmito.
Aturdido, Daçarata protesta.
Diz: “Rama é o meu filho primogênito,

“dos seus direitos é merecedor
por seus feitos heróicos, valorosos”.
Kikáhi comove-o, por sua dor,
tenta-o, com abraços voluptuosos,
e o velho cede, quase inconsciente,
incapaz de resistir aos enganos
da jovem, bela esposa envolvente,
exilando Rama por catorze anos.
Chama o filho mais velho e anuncia,
emocionado, vivendo um tormento,
que tinha que cumprir o que devia,
refém do seu antigo juramento.

(...)

Continua


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