Tuesday, June 19, 2012

Onde a liberdade é ficção

Pedro J. Bondaczuk

O Haiti vive, hoje, outro episódio do seu drama nacional, todo ele marcado por imensas tragédias, desde quando logrou obter, a ferro, fogo e sangue, a sua independência da França. Cerca de 2,1 milhões de eleitores deverão comparecer às urnas para eleger um presidente da República, o que não puderam fazer nos últimos 30 anos.

O último que escolheram, frustrou suas expectativas e esperanças e instituiu uma das mais odiosas e repressivas ditaduras de que se tem notícia, mergulhando o país na corrupção, na luta fraticida, na desesperança e na pior das misérias que se possa imaginar.

Justo ele, que antes de entrar para a política, recebeu o carinhoso título de “Papa Doc”, dos haitianos, por sua conduta humanitária. O poder, porém, subiu à cabeça de François Duvalier, corrompeu-o e o transformou de médico em monstro.

E é ainda a sua sombra, o seu “fantasma” que aterroriza o país. O massacre do dia 29 de novembro passado, data original para a realização das eleições, no qual 34 pessoas foram mortas de maneira estúpida e grotesca, sem a mínima chance de reação, quando esperavam a abertura de uma seção eleitoral para votar, foi atribuída a uma malta de bandoleiros, que um dia já foi a polícia secreta haitiana, chamada de “Tontons Macoutes”. Ninguém conseguiu provar isso. E nem poderia, num país onde defender os próprios direitos pode significar a autocondenação à morte, em alguma lôbrega e escura viela de Port-au-Prince.

As eleições de hoje, se é que elas vão de fato acontecer, não têm entre os candidatos os cinco ex-colaboradores do regime ditatorial passado, cujo veto foi confirmado pelo novo Conselho Eleitoral, criado à revelia da população e de forma a ferir a recém redigida Constituição, que começa a ser desrespeitada desde o nascedouro.

No entanto, não conta também com os quatro políticos mais importantes da atualidade do Haiti, dentre os quais sairia, fatalmente, o novo presidente. Estes resolveram boicotar a consulta às urnas, por não acreditar na sua lisura. As eleições ficaram restritas, portanto, aos postulantes “confiáveis”, que não assustem o poderoso de plantão, general Henry Namphy.

O eleitor tem hoje a seguinte opção: pode votar em quem quiser, desde que seja em fulano. E assim, não tem como dar certo nenhum processo democratizante. Não se trata, como se vê, de algo sério. É uma farsa, com a qual a população não está disposta a compactuar. Por isso, desde quinta-feira, está abandonando em massa Port-au-Prince e todas as grandes cidades.

(Artigo publicado na página 18, Internacional, do Correio Popular, em 17 de janeiro de 1988).

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