Vidros e diamantes
Pedro J. Bondaczuk
O
mesmo povo que consagrou o presidente afastado, Fernando Collor, nas urnas em
1989, conferindo ao ex-governador do Alagoas, no segundo turno eleitoral, mais
de 35 milhões de votos, o tirou do poder, mediante irresistível pressão sobre
os congressistas, depois que veio à tona o chamado escândalo PC Farias.
É
claro que os políticos tentaram polarizar o fato em seu favor. Ao votarem o
impeachment, porém, não fizeram mais do que a sua obrigação. São pagos para
isso e para muito mais, como elaborar leis justas, racionais e necessárias.
Os
acontecimentos dos últimos meses trouxeram à baila de novo as alegações já tão
conhecidas de que o brasileiro não sabe votar. Enganos com homens públicos não
ocorrem, todavia, só aqui. Nos Estados Unidos, por exemplo, Richard Nixon teve
que renunciar no início do seu segundo mandato para não passar pela humilhação
do impeachment.
Uma
ligeira pesquisa mostrará equívocos tão grandes ou maiores do eleitorado em
países como o Japão, a França, a Alemanha e vai por aí afora. Adolf Hitler, por
exemplo, conseguiu consagradora vitória nas urnas. E não é preciso reportar que
tipo de político ele foi.
A
respeito de enganos bem intencionados, o padre Antonio Vieira tem um trecho de
sermão que é lapidar. Diz: "Quem estima vidros, cuidando que são
diamantes, diamantes estima e não vidros; quem ama defeitos, cuidando que são
perfeições, perfeições ama e não defeitos. Cuidai que amais diamantes de
firmeza, e amais vidros de fragilidade; cuidai que amais perfeições angélicas,
e amais imperfeições humanas. Logo, os homens não amam o que cuidam que amam.
Donde também se segue que amam o que verdadeiramente não há; porque amam as
coisas, não como são, senão como as imaginam; e o que se imagina, e não é, não
o há no mundo".
O
Collor, que o brasileiro elegeu como diamante, era na verdade de vidro. O
"caçador de marajás" tão apregoado durante a campanha, com tanta
convicção que convenceu mais de 35 milhões de brasileiros, era o protetor
dessas figuras cínicas.
O
povo não votou, pelo menos na intenção, em alguém que investiu em seu jardim
particular dinheiro suficiente para construir centenas de escolas bem
equipadas. Deu seu voto, de boa fé, as quem posava como paradigma da
modernidade e da moralidade.
Admitindo-se,
porém, que o brasileiro de fato ainda não saiba votar, a legislação eleitoral
também é inadequada, por permitir candidaturas de quem não satisfaz a mínima
exigência ética para estar na vida pública.
Um
cheque sem fundos, tão logo é recebido, a priori não traz estampado,
logicamente, que é "frio". Quem o recebe só vai perceber o engodo em
que caiu no momento de sacar. O que ocorreu com o eleitorado foi exatamente
isso: um monumental estelionato eleitoral.
A
população, para usar uma linguagem bem popular, "comprou gato por
lebre". Amando diamantes, projetou esse amor em vidros. Buscando escolher
a probidade, a firmeza, a austeridade, acabou por optar pelo oposto. Daí ser
legítima a sua ira e justa a sua exigência de que os votos dados tão
generosamente de boa fé fossem cassados e através de meios legais, ou seja,
mediante os seus representantes no Congresso.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 3 de outubro de 1992).
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