O escritor brasileiro
dos heterônimos
Pedro
J. Bondaczuk
A obra literária de
Humberto de Campos é assombrosa, vastíssima e copiosa o que, no caso desse
escritor, desmente a constatação de que raramente a qualidade acompanha a
quantidade, em qualquer atividade humana e muito menos na Literatura.
Reproduziu, no Brasil, guardadas as devidas proporções, o que Fernando Pessoa
fez em Portugal. Ou seja, lançou mão de pelo menos oito pseudônimos em sua
obra, que podem ser comparados aos heterônimos do magnífico gênio lusitano. Não
tenho em mãos sua bibliografia completa, mas estou convicto que ele publicou
(ou outros publicaram dele) pelo menos quatro dezenas de livros. Uma quantidade
considerável deles foi publicada postumamente. Até não faz muito, volta e meia
alguma editora lançava um novo livro, inédito, de Humberto de Campos. Desconfio
que se algum pesquisador arguto se dispuser a pesquisar sua produção de textos
em jornais, obterá material mais do que suficiente para a publicação de uma
quantidade bastante razoável de novas obras, das que jamais publicadas. E todas
de excelente qualidade.
Ocorre que pouquíssimos
redatores – se é que houve algum que se lhe comparasse – tiveram tanta
visibilidade na imprensa escrita quanto esse maranhense talentoso e criativo.
Ainda mais escrevendo textos literários, como crônicas, contos, críticas de
livros, memorialismo e vai por aí afora. Hoje, então, quando os escritores de
ofício foram praticamente “banidos” das redações de jornais, não há termos de
comparação. Provavelmente está aí a explicação para o fato de Humberto de
Campos nunca ter escrito (e nem publicado) um único romance, obra de fôlego que
demanda tempo para ser escrita. E isso era o que menos esse jornalista obcecado
tinha: tempo Nos primeiros anos, essa assombrosa produção deveu-se ao fato dele
ser “novidade”, tanto na imprensa, quanto na Literatura. Suas crônicas e contos
surpreenderam, pela alta qualidade, tanto os leitores quanto os donos de
jornais. E “choveram” solicitações de todas as partes do País, que ele se
prestou a atender. Isso até 1930 quando, já doente, mas esbanjando prestígio,
Humberto de Campos escrevia, escrevia e escrevia, mais por deleite, e não por
necessidade.
A partir da tomada do
poder por parte de Getúlio Vargas, isso mudou drasticamente. O então
popularíssimo jornalista, escritor e político maranhense teve o terceiro
mandato consecutivo na Câmara de Deputados cassado pelo caudilho gaúcho. Ficou,
portanto, sem o salário de parlamentar que, bem ou mal, era considerável fonte
de receita (embora naquele tempo nem mesmo fosse tão “polpudo” quanto os dos
representantes do povo atuais). Além disso, havia a doença, que evoluía a olhos
vistos, e exigia gastos e mais gastos com médicos, farmácia etc.etc.etc. Isso
sem falar na família, mulher e três filhos, cujas despesas, convenhamos, não são nada modestas, por mais
econômicos que seus membros sejam.
Subitamente, Humberto
de Campos entrou em uma fase de grandes dificuldades financeiras. Por mais que
vários jornais que lhe solicitassem textos – e estes não diminuíram, mas
aumentaram – os ganhos que obtinha com o jornalismo eram insuficientes para
pagar sequer metade de suas contas. Foi quando a providencial ajuda dos amigos
livrou-o do sufoco financeiro. Por interferência direta de alguns integrantes
do Governo Provisório, que tinham profunda admiração por seu talento, Humberto
de Campos foi nomeado Inspetor de Ensino no Rio de Janeiro. E, meses mais
tarde, foi alçado ao posto de diretor da Fundação Ruy Barbosa. Esses dois novos
empregos aliviaram sua situação econômica, mas (óbvio) não diminuíram sua carga
de trabalho. Pelo contrário, aumentaram-na, e muito. E justo numa época que a
doença fazia escalada já não de um mês para outro, mas de um dia para outro.
Imaginem seu sacrifício, tendo que escrever crônicas e mais crônicas, contos e
mais contos, não raro entrando pela madrugada, com a visão a cada dia pior,
enxergando, crescentemente, menos! É isso que eu mais valorizo nele. Ou seja, a
sua garra, o seu espírito de luta, a sua determinação de jamais se entregar,
enquanto pudesse resistir.
O mais notável de tudo
isso é que, apesar desses obstáculos, tanto de ordem física, quanto psicológica,
a qualidade de sua produção não sofreu o menor “arranhão”. Não sei se no lugar
dele eu conseguiria essa façanha. Provavelmente, não, embora seja apaixonado,
vidrado, obcecado pelo texto quer jornalístico (embora não tanto), quer
literário (sobretudo). Humberto de Campos assinou, como citei no início destes
comentários, muitas crônicas e contos com pseudônimos. Em minhas pesquisas
detectei oito deles, embora possa ter escapado algum. Guardadas as devidas
proporções, reitero, comparo-os aos heterônimos de Fernando Pessoa. É verdade
que não fez como o escritor português que, para cada um deles, “criou” uma
personalidade própria, com estilos de escrever completamente diferentes um do
outro. Os pseudônimos utilizados por Humberto de Campos foram (salvo algum
engano meu): Conselheiro XX, Almirante Justino Ribas, Luís Phoca, João Caetano,
Giovani Morelli, Batu-Allah, Micromegas e Hélios.
Por tudo isso (e mais o
que pretendo trazer à baila oportunamente) é que esse jornalista, político e
escritor foi personagem único, sem similar, quer no jornalismo, quer na
política e quer, principalmente, na Literatura. Conseguiu “casar” quantidade
com qualidade, tendo que superar obstáculos como raríssimos já enfrentaram em
suas vidas. Não pode, pois, ser esquecido nem por esta geração e nem pelas que
hão de vir algum dia.
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