Monday, November 07, 2016

Bombeiro piromaníaco


Pedro J. Bondaczuk


O presidente norte-americano, Ronald Reagan, poderá comprovar, nos próximos dias, se houve ou não efeitos desastrosos em sua credibilidade junto aos seus principais aliados, neste giro que começou, ontem, pela Europa.

Em nível interno, seu prestígio sofreu uma erosão magnífica, revelada não somente pelos baixos índices de popularidade, mostrados por pesquisas de opinião, mas por sinais até mais sutis, mas nem por isso menos reveladores.

Na segunda-feira, por exemplo, quando o vice-presidente George Bush, discursando na abertura da “Terceira Conferência Internacional sobre a Aids”, que se realiza em Washington, disse que todos os cidadãos do país precisam se submeter a testes obrigatórios para saberem se têm o vírus, um espectador observou, do fundo da sala: “O que precisamos é de um presidente”. E foi muito aplaudido por essa piada.

Outros sinais semelhantes podem ser percebidos a todo o instante na imprensa, nas ruas e nas conversas, que acabam não vindo a público, mostrando o enorme estrago que o escândalo “Irã-contras” fez à popularidade de Reagan. Além de tudo, o presidente, virtualmente, perdeu a autonomia para governar.

A Casa Branca vive como que um período de letargia, de assombro e de consternação. Isso, apesar de Reagan ter dito a jornalistas que o “affaire” escandaloso não lhe tirou uma única noite de sono. Ele tem suas ações vigiadas, policiadas, observadas, não somente por assessores dispostos a evitar, a todo o custo, novas trapalhadas, mas por um Congresso que lhe é francamente hostil e que está disposto a ir a fundo na questão.

Muitos dos aliados, com os quais vai dialogar, na próxima semana, na cidade italiana de Veneza, onde desembarcou ontem, são, também, seus cúmplices na venda secreta de armas para o Irã. Alguns sentem-se como que traídos, pois achavam que a operação traria melhores resultados e permaneceria encoberta para sempre.

No entanto, ela não somente veio a lume, como ainda está sendo esmiuçada, milímetro por milímetro, por várias comissões investigadoras e noticiada amplamente pela imprensa que, mais do que nunca, cumpre o seu nobre papel de manter a opinião pública informada de todas as mazelas cometidas pelos líderes políticos.

Um dos temas da agenda de Reagan para os encontros que começam no dia 8 próximo é a situação do Golfo Pérsico. Na oportunidade, especula-se que ele irá pedir apoio aos europeus, ou pelo menos aos britânicos, franceses e italianos, para o patrulhamento dessa região contra os ataques iranianos e iraquianos aos petroleiros que por lá trafegam.

Só que o seu apelo, no mínimo, parecerá patético aos seus pares. Afinal, com a venda de armas ao Irã, uma das partes em conflito e justamente aquela que pretende parar com a guerra apenas após depor o presidente do Iraque, Saddam Hussein, desafeto do aiatolá Ruhollah Khomeini, não aceitando nenhum tipo de negociação ou de cessar-fogo, ele ajudou a incendiar a zona. E, posar agora de bombeiro, vai ser, na melhor das hipóteses, uma atitude contraditória.

Mas as esperanças de Reagan se reabilitar, não somente perante os norte-americanos, mas também diante da história, estará, também, neste encontro. Vai estar na concordância dos europeus à proposta desarmamentista do líder soviético, Mikhail Gorbachev, conhecida como Dupla Opção Zero, em negociação, atualmente, em Genebra entre as superpotências e com tudo para chegar a bom termo.

Esse consenso irá tirar um peso das costas do presidente que, virtualmente, não terá mais nenhum obstáculo para recepcionar, possivelmente em setembro próximo, o dirigente do Cremlin, em Washington, para um momento grandioso, como os que ele sempre sonhou, que será a assinatura de um acordo livrando a Europa das armas nucleares.

Espera-se, somente, que como em outras oportunidades, uma de suas gafes características não ponha tudo a perder nesse momento. Caso contrário, os anais irão registrar a sua gestão como uma das mais enganosas e deprimentes de todos os tempos, o que, convenhamos, está a milhões de anos-luz distante dos seus mais cálidos desejos.

(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 4 de junho de 1987).


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