Bombeiro piromaníaco
Pedro J.
Bondaczuk
O presidente norte-americano, Ronald Reagan, poderá
comprovar, nos próximos dias, se houve ou não efeitos desastrosos em sua
credibilidade junto aos seus principais aliados, neste giro que começou, ontem,
pela Europa.
Em nível interno, seu prestígio
sofreu uma erosão magnífica, revelada não somente pelos baixos índices de
popularidade, mostrados por pesquisas de opinião, mas por sinais até mais
sutis, mas nem por isso menos reveladores.
Na segunda-feira, por exemplo,
quando o vice-presidente George Bush, discursando na abertura da “Terceira
Conferência Internacional sobre a Aids”, que se realiza em Washington, disse
que todos os cidadãos do país precisam se submeter a testes obrigatórios para
saberem se têm o vírus, um espectador observou, do fundo da sala: “O que
precisamos é de um presidente”. E foi muito aplaudido por essa piada.
Outros sinais semelhantes podem
ser percebidos a todo o instante na imprensa, nas ruas e nas conversas, que
acabam não vindo a público, mostrando o enorme estrago que o escândalo
“Irã-contras” fez à popularidade de Reagan. Além de tudo, o presidente,
virtualmente, perdeu a autonomia para governar.
A Casa Branca vive como que um
período de letargia, de assombro e de consternação. Isso, apesar de Reagan ter
dito a jornalistas que o “affaire” escandaloso não lhe tirou uma única noite de
sono. Ele tem suas ações vigiadas, policiadas, observadas, não somente por
assessores dispostos a evitar, a todo o custo, novas trapalhadas, mas por um
Congresso que lhe é francamente hostil e que está disposto a ir a fundo na
questão.
Muitos dos aliados, com os quais
vai dialogar, na próxima semana, na cidade italiana de Veneza, onde desembarcou
ontem, são, também, seus cúmplices na venda secreta de armas para o Irã. Alguns
sentem-se como que traídos, pois achavam que a operação traria melhores
resultados e permaneceria encoberta para sempre.
No entanto, ela não somente veio
a lume, como ainda está sendo esmiuçada, milímetro por milímetro, por várias
comissões investigadoras e noticiada amplamente pela imprensa que, mais do que
nunca, cumpre o seu nobre papel de manter a opinião pública informada de todas
as mazelas cometidas pelos líderes políticos.
Um dos temas da agenda de Reagan
para os encontros que começam no dia 8 próximo é a situação do Golfo Pérsico.
Na oportunidade, especula-se que ele irá pedir apoio aos europeus, ou pelo
menos aos britânicos, franceses e italianos, para o patrulhamento dessa região
contra os ataques iranianos e iraquianos aos petroleiros que por lá trafegam.
Só que o seu apelo, no mínimo,
parecerá patético aos seus pares. Afinal, com a venda de armas ao Irã, uma das
partes em conflito e justamente aquela que pretende parar com a guerra apenas
após depor o presidente do Iraque, Saddam Hussein, desafeto do aiatolá Ruhollah
Khomeini, não aceitando nenhum tipo de negociação ou de cessar-fogo, ele ajudou
a incendiar a zona. E, posar agora de bombeiro, vai ser, na melhor das
hipóteses, uma atitude contraditória.
Mas as esperanças de Reagan se
reabilitar, não somente perante os norte-americanos, mas também diante da
história, estará, também, neste encontro. Vai estar na concordância dos
europeus à proposta desarmamentista do líder soviético, Mikhail Gorbachev,
conhecida como Dupla Opção Zero, em negociação, atualmente, em Genebra entre as
superpotências e com tudo para chegar a bom termo.
Esse consenso irá tirar um peso
das costas do presidente que, virtualmente, não terá mais nenhum obstáculo para
recepcionar, possivelmente em setembro próximo, o dirigente do Cremlin, em
Washington, para um momento grandioso, como os que ele sempre sonhou, que será
a assinatura de um acordo livrando a Europa das armas nucleares.
Espera-se, somente, que como em
outras oportunidades, uma de suas gafes características não ponha tudo a perder
nesse momento. Caso contrário, os anais irão registrar a sua gestão como uma
das mais enganosas e deprimentes de todos os tempos, o que, convenhamos, está a
milhões de anos-luz distante dos seus mais cálidos desejos.
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 4
de junho de 1987).
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