Três países num só território
Pedro J.
Bondaczuk
A Lei de Diretrizes Orçamentárias, aprovada após tanta
polêmica na terça-feira e que já subiu para a sanção presidencial, dá
prioridade, embora de forma velada, para três setores, em termos de investimentos:
transporte, energia e comunicação.
Tais inversões estão previstas
para serem de 25% no mínimo, representados por 15% diretamente e 10% mediante
autorização de ampliação da capacidade de endividamento das estatais que atuam
nessas atividades. Não se discute a necessidade de modernização, e expansão, em
campos de tamanha abrangência. Mas o prioritário, até emergencial, que salta à
vista de tão óbvio e caótico, é o lado social. São os setores da saúde, da
educação, da segurança pública e principalmente da habitação.
A realidade que qualquer cidadão
pode observar, num simples passeio pelas ruas, é que o brasileiro é sobretudo
desnutrido, desdentado, carente em termos de educação, inseguro em relação à
sua proteção pessoal e patrimonial e fundamentalmente não tem onde morar.
Referimo-nos, é claro, ao Brasil
da grande maioria. Há três países distintos convivendo num mesmo território,
tendo um mesmo costume, uma só língua, uma única tradição e história, mas
destinos muito diversos. Um, do porte do Líbano (com cerca de três milhões de
pessoas) é o detentor de 55% da riqueza nacional.
O outro, um pouco mais populoso,
um Peru, por exemplo, (17 milhões) é o dos que lutam para chegar ao patamar
anterior e está espremido entre duas grandes forças, a do poder econômico e a
das magníficas carências. É a chamada classe média.
E, finalmente, vem o terceiro
grupo, com a maior parte vivendo abaixo da linha da miséria. Ele é imenso,
gigantesco, assustador. Compõe-se de um Bangladesh (que tem 103 milhões de
habitantes) e de uma Alemanha Oriental de sobra (16 milhões).
É nesse país dos deserdados, dos
“descamisados”, como define o presidente Fernando Collor de Mello, que de cada
mil crianças, 65 morrem antes do primeiro ano de vida. Que mais de 250 mil são
“abatidas” anualmente pela fome e suas seqüelas. Que a virtual totalidade dos
seus integrantes é marginalizada dos serviços odontológicos e é composta,
portanto, por desdentados.
Para essa maioria esmagadora,
para tanta gente, é que deveria ser dada prioridade absolutíssima em qualquer
orçamento de qualquer governo. Uma nação não é apenas um território, uma
bandeira, um hino, um ideal. É, principalmente, um povo. E, como constatou o
jornalista Gaudêncio Torquato: “Uma geração desnutrida, desdentada e
desprotegida jamais será sinônimo de um povo saudável e formoso”.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de
julho de 1990).
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