Wednesday, November 30, 2016

Juros penalizam microempresários


 Pedro J. Bondaczuk


O presidente José Sarney e vários de seus ministros, especialmente os da área econômica, têm vindo a público, desde o início do atual governo, para garantir à sociedade que a base da sua política é a garantia do crescimento brasileiro (sem recessão), conjugada a um combate inteligente à inflação. No entanto, na prática, o que está se vendo é algo muito diferente.

O segmento que é responsável por 80% dos empregos neste País está sendo duramente penalizado e está à beira de um verdadeiro colapso. Trata-se do microempresário, esse indivíduo abnegado e criativo, que tem servido de tema para tanto político demagogo e que no entanto está arcando com a maior parte, senão com a totalidade, da atual crise que vem assolando a nossa economia, principalmente em decorrência do fracasso do Plano Cruzado.

O principal problema dessa faixa produtiva nacional (embora n ao o único) reside nas absurdas taxas de juros que estão sendo praticadas na atualidade. Se muitas empresas médias e de grande porte, com um capital enorme e com uma soma de recursos internos e externos quase inesgotável, vêm passando por grandes dificuldades, em razão da brutal elevação de seus custos financeiros, imagine o leitor o que está acontecendo com as pequenas e micros.

O pior é que ninguém sabe com exatidão de quem é a responsabilidade por tamanho descontrole. Se do governo ou do mercado. O fato é que o nicroempresário há tempos vem emitindo um desesperado “SOS”, lutando com todas as forças pela sua sobrevivência, e ninguém o ouve e nem o acode.

Não seria sequer necessário lembrar para ninguém como nascem estes pequenos, mas sumamente valiosos empreendimentos. Em geral eles são frutos do espírito criativo do brasileiro. Muitas dessas empresas surgem apenas da vontade de se fazer algo por própria conta. Ou seja, são criadas virtualmente do nada.

O capital inicial desse negócio quase sempre é constituído por algumas parcas economias, juntadas com ingentes sacrifícios durante anos, e às vezes com o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, quando seus empreendedores se desligam de seus empregos para enfrentar esta fascinante aventura, este magnífico desafio.

Boa parte dos microempresários começa a trabalhar com máquinas que eles próprios inventaram, desenharam e construíram artesanalmente, com as próprias mãos. Eles já partem, portanto, de um ponto bastante positivo para o País. Desenvolvem, na pura raça, uma tecnologia toda nacional, rústica, é verdade, mas muito funcional, economizando preciosas divisas que deixam de ser gastas no Exterior com o seu instrumental.

Nesta circunstância, nada lhes é mais vital do que o crédito bancário barato. Se corretamente apoiada, essa empresa, nascida inúmeras vezes em fundo de quintal, cresce, se desenvolve, se moderniza e em pouco tempo se torna emérita exportadora.

O microempresário, portanto, simboliza, com a sua coragem e sua confiança no eterno futuro deste “Gigante Deitado”, o verdadeiro espírito do brasileiro. Não somos todos uns “Macunaímas” da vida, estereótipo que nós mesmos nos impomos e até exportamos, criando a idéia generalizada de que a totalidade dos cidadãos deste País (ou pelo menos a maioria), só quer saber de carnaval, futebol, cachaça e muita “sombra e água fresca”.

Há milhões e milhões de pessoas empreendedoras e corajosas, que não conhecem sábados, domingos e feriados, descanso ou esmorecimento. Trabalham, trabalham e trabalham e muitas vezes em vão, por absoluta falta de respaldo oficial.

Ninguém acreditou mais, por exemplo, no Plano Cruzado, do que o microempresário. O crescimento do poder aquisitivo de algumas faixas da população (que não foi tão alto quanto demagogicamente se procurou dar a entender), fez com que houvesse uma explosão de consumo. Isso levou muita gente a se decidir a criar o seu próprio negócio, para suprir um mercado hiperaquecido, mas que não podia ser saciado pelo parque produtivo nacional, defasado em virtude de uma recém superada era de recessão econômica. Pequenas firmas foram abertas aos milhares em todo o território nacional e os índices de desemprego, em conseqüência disso, foram emagrecendo, emagrecendo, até quase desaparecerem.

Os juros praticados então eram pelo menos racionais e muitos (senão a maioria) desses microempresários resolveram pensar com grandeza. Fizeram investimentos consideráveis, de maturação de médio prazo, cujos resultados, caso eles fossem apoiados por uma política econômica que de fato merecesse este nome e não se resumisse em apressadas e impensadas improvisações, seriam magníficos.

O Brasil vivia o período pré-eleitoral e isso parece ter subido à cabeça da equipe governamental. A súbita popularidade adquirida junto à população cegou nossos dirigentes, que não fizeram as indispensáveis correções que o programa decretado em 28 de fevereiro de 1986 requeria. E o barco começou a fazer água.

Quem tinha mais recursos, e que, portanto, investiu o seu próprio capital, pressentiu a débâcle e teve condições de se acautelar. Desmobilizou setores inteiros de suas fábricas, dispensou pessoal e tornou a jogar seu rico dinheirinho na jogatina financeira.

As dispensas não se refletiram nas taxas de desemprego, porque os grandes empregadores sempre foram os microempresários (pelo menos em volume). E estes continuaram confiando no governo até o fim.

E no que resultou essa confiança? Eles foram “apunhalados” pelas costas. Em questão de dias, os juros enlouqueceram. Os compromissos a pagar multiplicaram-se por mil, enquanto que os rendimentos ficaram fixos, congelados. E um magnífico esforço de redenção econômica nacional foi transformado por um conjunto de pacotes desastrados num doloroso pesadelo para estes brasileiros que mereceriam estátuas em praça pública e nunca protestos, concordatas, falências e execuções. Como evitar, pois, uma recessão numa circunstância dessas?!

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 8 de março de 1987).


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