Tuesday, November 01, 2016

Crise do Golfo beneficia oportunistas



Pedro J. Bondaczuk


A relação de líderes políticos, países e organizações que de alguma maneira obtiveram vantagens com a guerra do Golfo Pérsico é muito mais extensa do que se possa imaginar antes de uma meticulosa análise a respeito. Além dos presidentes George Bush, dos Estados Unidos, e Mikhail Gorbachev, da União Soviética, e François Mitterrand, da França e do primeiro-ministro britânico John Major; ou de sociedades nacionais como Israel, Arábia Saudita, Egito, Síria e emirados da zona de conflito, isto sem nunca esquecer o Irã, o mais beneficiado de todos; além das Nações Unidas e das entidades que atuam na intermediação da venda de petróleo, há uma extensa lista de beneficiários a ser avaliada.

Nela, por exemplo, estão a China e a Turquia. Incluem-se os fabricantes de armas, em especial do Primeiro Mundo e os free-lancers do comércio armamentista mundial, aqueles que nunca têm causa, ideologia, pátria ou fronteira e que fornecem seus produtos aos que os possam pagar.

Diversos ex-políticos, já obscurecidos pela bruma do tempo, tiveram um breve instante de glória ao longo da crise. Casos específicos foram os dos ex-primeiros-ministros da antiga Alemanha Ocidental, Willy Brandt e do Japão, Noburo Takeshita, que obtiveram, junto a Saddam Hussein, a libertação de inúmeros reféns de seus países que serviam de “escudos humanos” ao presidente iraquiano para evitar algum ataque de surpresa da coalizão militar liderada pelos Estados Unidos.

A China permaneceu, literalmente, “em cima do muro” no correr de toda a questão surgida no Golfo Pérsico com a invasão e anexação do Kuwait. Como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, portanto com poder de veto, poderia impedir a aprovação de muitas das 12 resoluções contra Bagdá, principalmente a que se referia ao uso da força para expulsar as tropas invasoras do emirado ocupado. Não o fez.

“Lavou as mãos”, como se costuma dizer, numa analogia com o gesto de Pôncio Pilatos em relação a Jesus Cristo. Ou seja, absteve-se em todas as votações. Dessa maneira, ficou bem com os países ocidentais, junto aos quais sua imagem havia ficado extremamente desgastada depois da sangrenta repressão ao movimento pró-democracia da Praça da Paz Celestial de Pequim, em junho de 1989, sem deixar de lado aquela aura que sempre procurou explorar, de potência “alinhada” com os “não-alinhados”.

De quebra, a linha-dura chinesa aproveitou o fato das atenções da opinião pública internacional estarem voltadas para o drama que se desenrolava no Golfo Pérsico, para promover arremedos de julgamentos de seus dissidentes, mandando a grande maioria para campos de trabalhos forçados, eufemisticamente denominados “centros de reeducação ideológica”.

A China acabou não ficando mal com ninguém e, aos poucos, os dólares que haviam parado de entrar no país em virtude da truculência do governo do primeiro-ministro Li Peng, recomeçam a pingar, devolvendo um pouco de saúde à sua abalada economia.

Nesse aspecto, Cuba agiu com menor senso de oportunismo. Foi, durante toda a crise, o voto discordante no Conselho de Segurança, onde não tem poder de veto e é membro temporário do organismo.

É provável que, politicamente, o gesto de Havana tenha sido equivocado e até desastroso, mas eticamente foi de enorme coerência. Por isso, o regime de Fidel Castro, pelo menos no curto prazo, nada lucrou com a guerra.      
  
(Artigo publicado na página 13, Internacional, do Correio Popular, em 7 de maio de 1991)


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