Sunday, November 06, 2016

A inflação romana e o Brasil



Pedro J. Bondaczuk


O ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, disse, numa das tantas entrevistas que já concedeu desde que assumiu o cargo, que está preocupado “diariamente em colocar a casa em ordem”. Ou seja, procura fórmulas para zerar o déficit público e para baixar a inflação a níveis mais suportáveis.

O combate a essa disfunção econômica, para ter sucesso, precisa ser persistente, contínuo, sem tréguas e sem, mistificações. Exige, além de conhecimento técnico, grande capacidade de negociação política e, sobretudo, autodisciplina. A luta tem que ser diária.

O ideal é que essa guerra sem quartel se desenvolva, simultaneamente, em duas frentes distintas. De um lado, requer-se austeridade nos gastos governamentais, de forma a que as despesas sejam rigorosamente compatíveis com a arrecadação de tributos.

Na outra ponta, é desejável o aumento da produção de bens e serviços, com o estímulo à livre concorrência, quando então as inflexíveis leis do mercado passam a ser aliadas. Havendo maior oferta do que procura, a tendência dos preços é a de queda.

Daí a fórmula recessiva, aplicada por tanto tempo no País, ter sido um veneno econômico, não o remédio que se pretendia. O melhor caminho para esse “boom” produtivo é o do estímulo e amparo às pequenas e médias empresas. Hoje, elas são responsáveis por 60% da geração de empregos no Brasil.

Essa cifra poderia ser muito maior caso houvesse uma política consistente de amparo e orientação ao microempresário. E regras claras de mercado, com a aplicação das leis existentes para punir práticas desleais de comércio, entre as quais o “dumping”. Ou seja, a redução artificial de preços, por um período determinado, até a eliminação do concorrente mais frágil.

A inflação, ao contrário do que muitos pensam, não é um fenômeno dos nossos tempos. É um mal muito antigo, que afetou inúmeras sociedades através dos séculos, sem que as lições deixadas pelo passado viessem a ser aproveitadas. O Império Romano conviveu durante um longo período com os efeitos inflacionários, conforme revela interessante estudo histórico publicado na edição de janeiro/fevereiro de 1984 da revista interna do Banco Real. Em tudo esse caso tão antigo lembra o que ocorre hoje no Brasil.

Ou seja, tanto na Roma, a superpotência daquela época, quanto em nosso país, hoje, a moeda nacional foi aviltada. Os denários de pratas, que nos tempos do imperador Augusto (31 a.C-14 d.C) tinham um grau de pureza de 98%, em 270 d.C possuíam apenas 3% do metal, o suficiente para lhes dar a aparência brilhante, e assim mesmo, enquanto novos.

Essa corrupção monetária deveu-se à descontrolada emissão, que se fazia necessária para cobrir os delírios perdulários dos vários governantes de então. Claro que naqueles tempos remotos não havia índices para aferir o aviltamento da moeda. Mas seus efeitos não tardaram a se fazer sentir.

O supramencionado trabalho, intitulado “A inflação através dos tempos”, destaca que em 129 d.C uma escrava custava 1.200 moedas de prata. Dois séculos depois, esse custo já havia ascendido para 42 mil! Todos os outros produtos e serviços, alguns mais, outros menos, dependendo de sua abundância ou escassez, sofreram brutal encarecimento.

À luz dessas revelações, não se pode negar que a desordem econômica foi um dos fatores que levaram o Império Romano à derrocada. Daí não podermos ter ilusões acerca de uma possível convivência entre desenvolvimento e uma inflação elevada, como a que o País suporta há mais de uma década.  

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 6 de julho de 1993)


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