Depois do “show” uma conversa séria
Pedro J.
Bondaczuk
O secretário de Estado dos Estados Unidos, George Shultz,
chegou, ontem, a Moscou, com um clima político nada favorável para negociações.
Nem mesmo a típica gentileza que os russos dispensam aos visitantes ilustres,
que á a recepção no aeroporto da sua capital, lhe foi dispensada pelo chanceler
Eduard Shervadnadze.
A atmosfera estava,
aparentemente, “envenenada” pelas acusações mútuas, feitas nos últimos dias,
acerca de espionagem nas embaixadas um do outro. As primeiras palavras trocadas
entre ambos foram polidas, mas de acusação.
Os dois lados, mais por dever de
ofício, do que por convicção, despejaram, um sobre o outro, as mesmas e
tradicionais recriminações, que marcaram seu difícil relacionamento dos últimos
42 anos.
Quem presenciasse tais trocas de
“farpas” acreditaria que as superpotências estavam vivendo, ainda, o auge da
“guerra Fria” que as caracterizou até há pouco tempo e não mais um período de
distensão.
Feito o “teatro”, dadas as satisfações
para os respectivos “falcões”, ambos resolveram conversar seriamente. E devem
ter encontrado inúmeros pontos convergentes, a julgar pelo fato inusitado das
conversações terem varado a noite. Pelo visto, a conversa teve de tudo. Desde
as recriminações aludidas, do início do encontro, à pausa relaxante para
amenidades, quando Shultz teria chegado a trautear algumas estrofes da canção
celebrizada por Ray Charles, “Geórgia on my mind”.
Nesse momento seria muito
interessante poder saber o que se passava na cabeça desses dois sisudos
cavalheiros, que têm uma grande parcela de responsabilidade sobre o que virá a
acontecer no futuro com a humanidade. Certamente, embora as barreiras
ideológicas façam com que eles jamais venham a admitir isso, eles devem ter se
sentido absolutamente iguais naquilo que o homem tem de essencial.
O que o cidadão comum das ruas
não consegue entender (e há todo um sistema agindo para que ele jamais
entenda), é como idéias, criadas por gente como ele, podem abrir abismos tão
profundos entre os povos. Como ideologias, eivadas de contradições, assim como
aqueles que as forjaram, têm esse diabólico poder de causar tantos estragos ao
relacionamento entre as nações, as colocando, inclusive, sob o risco da própria
e recíproca extinção.
Tais sistemas, certamente, como
tantos que surgiram e desapareceram sem deixar vestígios, um dia também
passarão. O que deverá permanecer (se a insensatez deixar) será a vida. Serão
os sonhos, os ideais, as dores e as frustrações do rei da criação, do homem.
Sempre foi assim, desde o primeiro instante em que as comunidades se agruparam
em clãs, em tribos, em cidades, em nações e em impérios.
Países e mais países, com
poderios impressionantes, passaram. Alguns sofreram quedas tão profundas, no
abismo do ostracismo, que somente agora os arqueólogos estão descobrindo
vestígios da sua existência. Em apenas cinco milênios de história, o mapa mundi
político sofreu alterações dramáticas. Mas a humanidade não desapareceu. Mas os
ideais do homem, aqueles perenes, perpétuos, permanentes, se conservaram.
Mas gerações e mais gerações
sucederam-se. Civilizações radiosas surgiram, floresceram e sumiram, quando o
germe do preconceito passou a exercer a sua deletéria ação, destruindo os
alicerces da moral, fazendo com que elas entrassem em irreversível decadência.
Mas o que está em risco, agora,
não são somente conceitos de vida. É a própria sobrevivência humana que está
ameaçada, não somente pelos mesmos agentes que sepultaram realizações e ideais
passados, mas por meios físicos jamais conhecidos antes pelo homem.
As armas nucleares podem varrer,
em minutos, aquilo que a natureza levou milhões de anos para elaborar. Quando o
homem aprendeu o segredo dessa terrível fonte de energia, abriu a mitológica
“caixa de Pandora”, que continha todos os males do mundo. Equivaleu ao ato de
Adão e Eva de comerem o fruto da árvore da ciência do bem e do mal.
Desvendou um universo infinito de
possibilidades energéticas (desde que esses recursos fossem aplicados naquilo
que realmente deveriam: na promoção de um mundo de fartura e de solidariedade,
em que não houvesse a miséria, com suas perigosas seqüelas). Mas trouxe consigo
o signo da destruição.
Hoje, bem que as superpotências
gostariam de fechar essa “caixa de Pandora”. Só que não sabem como. Não
aprenderam a linguagem do diálogo e da confiança recíproca. Foram condicionadas
pela idéia insensata do poder e do preconceito. Isto é o que Ronald Reagan e
Mikhail Gorbachev deveriam tentar romper.
Se conseguirem, marcarão seus
nomes como salvadores da humanidade. Se não, em pouco tempo não haverá quem os
condene. Seres todos, pobres e ricos, humilhadores e humilhados, ofensores e
ofendidos, testemunhas e imolados no apocalíptico holocausto nuclear.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 14
de abril de 1987).
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