Imprensa expõe sua
fragilidade
Pedro J. Bondaczuk
Os
acontecimentos dramáticos da semana passada, na União Soviética, mostraram,
entre outras coisas, um paradoxo: a fragilidade da comunidade mundial de
informações. Essa fraqueza ficou especialmente clara no que diz respeito às
opiniões expressadas acerca do que estava ocorrendo.
Muita
coisa foi dita e escrita nesse período que certamente os que o fizeram
gostariam, se pudessem, de apagar de vez, o que disseram e escreveram, mas não
podem. Na terça-feira, por exemplo, quando o golpe da linha dura do Partido
Comunista contra o presidente Mikhail Gorbachev estava muito distante da
consolidação, e era visível para qualquer comentarista com um mínimo de
experiência e visão que iria fracassar, a maioria dos analistas dava o fim da
perestroika como algo líquido e certo.
Sufocada
a intentona, veio uma nova torrente de lugares comuns, de previsões esdrúxulas
e sensacionalistas, de discursos no mais clássico estilo da guerra fria. É
cedo, muito cedo, extremamente extemporâneo para se saber o que irá acontecer
na complexa União Soviética após isto que o analista da agência Reuter, Paul
Taylor, classificou de "A Segunda Revolução Russa".
Uma
coisa é evidente: o poder comunista foi posto irremediavelmente por terra.
Outro ponto praticamente decidido, que a rigor já funcionava, é a independência
dos Estados bálticos. Aliás, quem acompanhou de perto a evolução dos
acontecimentos na URSS, nos últimos dois anos, sabe que Gorbachev estava
propenso a aceitar essa separação, mas de uma maneira ordeira, negociada,
respeitando prazos.
Um
secessionismo intempestivo, recebido com uivos de satisfação por determinados
setores, por sinal os mais alienados, esconde armadilhas perigosas. Pode
explodir em choques étnicos e nacionalistas bastante sangrentos e até
incontroláveis.
Ódios
represados por décadas podem vir à tona e atingir muitos inocentes da
comunidade russa que circunstancialmente vivem nas Repúblicas bálticas. Essa
gente também tem seus direitos. Aliás, era nesse aspecto que o presidente
soviético pensava quando pedia que a independência se desse por etapas, de
forma não intempestiva.
Os
temidos "Boinas Negras", ou "Omons", as tropas de elite do
Ministério do Interior, atrapalharam essa estratégia, intervindo militarmente
na Lituânia, Letônia e Estônia. O perigo agora é a revanche.
Como
a independência dos povos bálticos parece ser um assunto virtualmente decidido,
o que se espera é bom senso da parte dos líderes separatistas. Que tenham
personalidade suficiente para dar às suas próprias populações o que elas de
fato precisam. Ou seja, parâmetros de atuação e principalmente oportunidade
para que elas próprias construam uma sociedade nacional próspera, solidária e
sobretudo justa.
O
mítico economista britânico, John Maynard Keynes, afirmou em certa ocasião:
"Na verdade, o mundo é governado por poucos. Os homens práticos, que se
acreditam bastante livres das influências intelectuais, comumente são escravos
de algum finado economista. Loucos de autoridade, ouvem vozes no ar e destilam
seu frenesi por algum garatujador acadêmico de alguns anos atrás". O
marxismo nasceu dessa distorção. Que o fim dele não siga a mesma trilha.
O
italiano Pitigrilli escreveu, num dos seus contos, carregados de humor,
sarcasmo e sabedoria: "O homem não é anjo, nem fera, ou é ambas as coisas
em proporções desiguais. A beneficência, a moral, a caridade não podem fabricar
homens e mulheres ideais. Devem servir-se daqueles que encontram".
Nesse
processo de reconstrução nacional, portanto, cabe aos líderes mostrarem que
realmente são dotados do dom de liderança. Que saibam escolher pessoas certas
se pretendem construir nações e não simples "acampamentos", caóticos
e repletos de baderneiros.
É
indispensável que se analise os acontecimentos dos "seis dias que abalaram
o mundo", da semana passada, à luz das opiniões emanadas pela imprensa. A
cobertura desses eventos, associada à feita durante a guerra do Golfo Pérsico
do início do ano, tem lições preciosas que se deve aprender acerca do papel e
da atuação dos meios de comunicação contemporâneos na interpretação da
realidade. Convém, portanto, debruçar-se sobre esse assunto atentamente nos
próximos dias.
(Artigo
publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 27 de agosto de
1991).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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