Saturday, November 19, 2016

Remoçando um sistema há muito esclerosado


Pedro J. Bondaczuk


O líder soviético, Mikhail Gorbachev, traçou os limites precisos das reformas políticas, econômicas e sociais que pretende empreender em seu país, no discurso de quase quatro horas que pronunciou ontem, perante os 5 mil delegados que participam da 19ª Conferência Extraordinária do Partido Comunista, convocada para avaliar as suas propostas.

Algumas de suas diretrizes, certamente, surpreenderam, pelo caráter inovador. Outras, não deixaram de decepcionar os que esperavam o impossível. Ou seja, que toda uma ideologia se auto-dissolvesse, como num passe de magia, o que jamais ocorreu ao longo da história.

Há determinados princípios do sistema em vigor na URSS que jamais serão tocados. Um deles, certamente, é o do monopólio do PC sobre a vida política da nação. Querer que algum dirigente, por mais reformista que seja, mude isso, equivaleria a pretender, por exemplo, que o presidente norte-americano, Ronald Reagan, baixasse um decreto, à revelia do Congresso, instituindo o comunismo nos Estados Unidos.

Isto, é claro, jamais irá ocorrer, como o oposto, certamente (pelo menos através de meios pacíficos) também não. Mas não há dúvidas que as idéias do dirigente são bastante avançadas para uma sociedade esclerosada, como a soviética, cujas únicas mudanças, nos últimos 70 anos, foram de semântica, quando não apenas de líderes que foram mais ou menos repressivos.

Por exemplo, a sua defesa da liberdade religiosa na União Soviética e o apelo para que os crentes não sejam discriminados no seu ambiente de trabalho, são progressos que devem ser saudados. A supressão de subsídios aos alimentos, que pode, num primeiro instante, trazer uma certa aflição para a população, mostra um realismo econômico jamais visto nesse país, caracterizado, no correr da sua milenar história, pelo imobilismo.

Quanto aos limites traçados para a “glasnost”, que certamente vão decepcionar aos que esperavam “milagres” onde eles jamais aconteceriam, os mesmos têm lá a sua razão de ser. Como se agiria nos Estados Unidos, por exemplo, se o Estado do Texas pretendesse integrar a seu território porções do Novo México, à revelia deste?

Ou se o Arizona pretendesse mais privilégios do que os demais? Haveria, certamente, uma intervenção federal na questão, para que esta não descambasse para uma guerra civil. O mesmo princípio vale, portanto, para a Letônia, Estônia e Lituânia, que pretendem determinadas vantagens, incompatíveis com a Federação. Ou, para ficar mais próximo ao exemplo citado, que cai como uma luva para o Azerbaijão e Armênia quanto à disputa em torno do enclave de Nagorno-Karabhalkaskaya. Resta saber, agora, quais serão os limites fixados pelo Partido Comunista à “glasnost” e à “Perestroika”. Estes é que vão pesar na balança e não os de Gorbachev.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 29 de junho de 1988).


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