Remoçando um sistema há muito esclerosado
Pedro J.
Bondaczuk
O líder soviético, Mikhail Gorbachev, traçou os limites
precisos das reformas políticas, econômicas e sociais que pretende empreender
em seu país, no discurso de quase quatro horas que pronunciou ontem, perante os
5 mil delegados que participam da 19ª Conferência Extraordinária do Partido
Comunista, convocada para avaliar as suas propostas.
Algumas de suas diretrizes,
certamente, surpreenderam, pelo caráter inovador. Outras, não deixaram de decepcionar
os que esperavam o impossível. Ou seja, que toda uma ideologia se
auto-dissolvesse, como num passe de magia, o que jamais ocorreu ao longo da
história.
Há determinados princípios do
sistema em vigor na URSS que jamais serão tocados. Um deles, certamente, é o do
monopólio do PC sobre a vida política da nação. Querer que algum dirigente, por
mais reformista que seja, mude isso, equivaleria a pretender, por exemplo, que
o presidente norte-americano, Ronald Reagan, baixasse um decreto, à revelia do Congresso,
instituindo o comunismo nos Estados Unidos.
Isto, é claro, jamais irá
ocorrer, como o oposto, certamente (pelo menos através de meios pacíficos)
também não. Mas não há dúvidas que as idéias do dirigente são bastante
avançadas para uma sociedade esclerosada, como a soviética, cujas únicas
mudanças, nos últimos 70 anos, foram de semântica, quando não apenas de líderes
que foram mais ou menos repressivos.
Por exemplo, a sua defesa da
liberdade religiosa na União Soviética e o apelo para que os crentes não sejam
discriminados no seu ambiente de trabalho, são progressos que devem ser
saudados. A supressão de subsídios aos alimentos, que pode, num primeiro
instante, trazer uma certa aflição para a população, mostra um realismo
econômico jamais visto nesse país, caracterizado, no correr da sua milenar
história, pelo imobilismo.
Quanto aos limites traçados para
a “glasnost”, que certamente vão decepcionar aos que esperavam “milagres” onde
eles jamais aconteceriam, os mesmos têm lá a sua razão de ser. Como se agiria
nos Estados Unidos, por exemplo, se o Estado do Texas pretendesse integrar a
seu território porções do Novo México, à revelia deste?
Ou se o Arizona pretendesse mais
privilégios do que os demais? Haveria, certamente, uma intervenção federal na
questão, para que esta não descambasse para uma guerra civil. O mesmo princípio
vale, portanto, para a Letônia, Estônia e Lituânia, que pretendem determinadas
vantagens, incompatíveis com a Federação. Ou, para ficar mais próximo ao
exemplo citado, que cai como uma luva para o Azerbaijão e Armênia quanto à
disputa em torno do enclave de Nagorno-Karabhalkaskaya. Resta saber, agora,
quais serão os limites fixados pelo Partido Comunista à “glasnost” e à
“Perestroika”. Estes é que vão pesar na balança e não os de Gorbachev.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 29
de junho de 1988).
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