Quem ganha com a crise?
Pedro J. Bondaczuk
A recuperação da economia
norte-americana, todos sabem disso, é vital para o Ocidente nos dias que
correm. Especialmente para os países do Terceiro Mundo, mergulhados numa dívida
sem fim, que está atingindo, neste final de ano, segundo estimativas recentes
do Banco Mundial, a cifra astronômica e estonteante de US$ 1 trilhão.
Os
Estados Unidos são os maiores credores desses povos endividados, os maiores
beneficiários dos altos juros cobrados nestes empréstimos e, por conseqüência,
os maiores prejudicados caso um dia o dinheiro que cederam não venha a ser
restituído.
Os
principais indicadores econômicos revelam que a economia norte-americana teve
uma performance da razoável para boa em 1985. Em alguns setores, ela chegou a
ser excelente, como por exemplo no que diz respeito à inflação, que deverá
fechar o ano em 3,5%, o mesmo montante da nossa taxa semanal em meses
considerados bons.
O
desemprego manteve o mesmo percentual de 1984, de 7,2%, o que indica uma certa
estabilização. O Produto Interno Bruto, embora não tenha evoluído nos mesmos
6,8% anteriores, cresceu, apesar que somente 2,9%. Num rápido “check-up”,
portanto, o organismo econômico norte-americano revela muita saúde.
Entretanto,
bem no seu íntimo, ele parece esconder um devastador câncer, representado por
um déficit que deverá chegar a US$ 150 bilhões neste ano. A dívida externa dos
Estados Unidos (quem diria!) cresce US$ 33 bilhões por trimestre e já nos
albores de 1986 será superior à brasileira e à mexicana.
Os
próprios economistas de lá fazem projeções pessimistas (e eles são muito
peritos em estatística) de uma recessão perigosa para todos em 1987.
Confirma-se, dessa forma, em apenas um ano, a previsão sombria que o então
candidato à Casa Branca pelo Partido Democrata, Walter Mondale, fez, durante um
debate televisionado para quase o mundo inteiro, sobre a “Reaganomic”, a
política de recuperação econômica do presidente Ronald Reagan. A de que ela era
uma autêntica bomba-relógio.
Se
não bastasse a incrível interligação que há, hoje em dia, no mundo, entre todas
as economias, o assunto não mereceria maior atenção por parte dos brasileiros.
Afinal, esse seria um problema doméstico, exclusivamente norte-americano. Mas
até o mais ingênuo dos ingênuos sabe, ou pelo menos pressente, que a coisa não
é bem assim. Que todos os insucessos da superpotência ocidental, em última
análise, acabam sendo bancados por seus parceiros. Ou pelo menos compartilhados
por eles.
Um
importante economista britânico foi até mesmo um pouquinho mais longe.
Projetou, baseado no atual comportamento do dólar nas principais casas de
câmbio do mundo, a possível evolução da dívida externa norte-americana nos
próximos anos. E a conclusão foi, no mínimo, inquietadora. Ela deverá, sozinha,
ser igual ao endividamento total do Terceiro Mundo neste ano, ou seja, US$ 1
trilhão, praticamente o custo final do mirabolante (e provavelmente inútil)
projeto “guerra nas estrelas” do presidente Reagan.
Qual
a conclusão que se pode tirar desse fato? A óbvia, ou seja, que algo está
errado no atual sistema financeiro e de transações comerciais do mundo. De uma
hora para outra, países que eram tidos como futuras potências, como é o caso do
Brasil, de repente acordaram virtualmente falidos. Outros, como o próprio
Estados Unidos, que sempre nadaram em dinheiro e ditaram regras, subitamente se
vêem nivelados nos mesmos problemas que Uganda, Bolívia ou Nigéria.
Percebem
que estão gastando, na verdade, dinheiro alheio. Sempre que alguém perde, diz a
lógica, alguém deve, por conseqüência, estar ganhando. Quem é esse ganhador,
contudo, é que está difícil de se descobrir, nessa ciranda maluca em que se
transformou o sistema financeiro internacional.
(Artigo
publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 19 de dezembro de
1985).
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