Sunday, November 27, 2016

Mídia exagera no perfil de Saddam



Pedro J. Bondaczuk


O presidente iraquiano, general Saddam Hussein, vem sendo pintado como um monstro cínico e desalmado perante a opinião pública mundial, através da maior parte dos meios de comunicação do Planeta. Seu apelido da década de 1970, de “Carniceiro de Bagdá”, foi convenientemente desenterrado e é citado sempre que se pode. Ele tem sido comparado a todas as figuras monstruosas que protagonizaram espetáculos sangrentos, principalmente neste século.

A comparação mais freqüente é com o ditador nazista, Adolf Hitler, responsável pelo assassinato de pelo menos seis milhões de judeus na estúpida e criminosa ação que se chamou “Solução Final”, durante a Segunda Guerra Mundial. É acusado de incompetente, oportunista e até de ladrão, por, supostamente, ter desviado US$ 10 bilhões em lucros com a venda do petróleo do país para sua conta particular e para a de seus familiares e protegidos.

É evidente que Saddam Hussein não é nenhum anjinho. Tudo isso pode ser até verdade. Todavia, não é, também, pior do que os tantos monstros criados no bojo da guerra fria, de 1945 para cá, a maioria dos quais acabou premiada ao largar o poder, quando isso se tornou conveniente, indo gozar na Riviera e em outros maravilhosos recantos terrestres as benesses dos crimes praticados, de traição dos seus povos em favor de interesses “mais amplos”.

O presidente iraquiano, com sua truculência, ao invadir o Kuwait e recusar-se a retirar espontaneamente suas tropas do pequeno emirado, propositalmente ou não, de forma deliberada ou casual, favoreceu muita gente, que hoje deblatera para que ele seja levado a julgamento, como criminoso de guerra.

Um dos grandes beneficiados, politicamente, com a crise do Golfo Pérsico, foi o presidente norte-americano, George Bush. Recorde-se que no início do ano passado, sua popularidade estava despencando de maneira desastrosa.

O chefe da Casa Branca vinha sendo acusado de inércia, de inação, de falta de ação para deter uma recessão que se desenhava no horizonte econômico da mais poderosa potência do Planeta. Veio a invasão do Kuwait. Mesmo então, a reação inicial norte-americana ao truculento ato foi de vacilação, de incerteza quanto à forma de agir. O que fazer? Intervir ou não intervir nessa crise regional?

Houvesse Bush sido firme nos primeiros dias de ocupação do emirado e, possivelmente, não seria necessária a tragédia que se montou, ato-a-ato, de 2 de agosto de 1990 a 17 de janeiro passado, quando do bombardeio de Bagdá, que marcou o início da chamada Operação Tempestade no Deserto.

A vacilação do presidente norte-americano estimulou Saddam a não somente manter suas tropas no país vizinho, como a determinar a sua anexação. Claro que tudo isso está esquecido agora, no rastro do triunfalismo determinado pela expulsão militar dos invasores do emirado ocupado.

Nos meses subseqüentes à agressão, dois personagens ocuparam o palco mundial dos acontecimentos. Ambos esmeraram-se nas declarações retóricas e atos dramáticos, como por exemplo as mensagens mútuas que eles divulgaram em redes de televisão, um do outro, numa guerrinha de nervos de cunho puramente propagandístico.

Na seqüência da crise, Bush mostrou-se mais hábil na manipulação da mídia. Tanto é que, ao anunciar, em 28 de fevereiro passado, o cessar-fogo de uma guerra amplamente anunciada, passo a passo, mas paradoxalmente a que apresentou a mais rígida censura às informações possivelmente de toda a História, sua popularidade interna superava, disparadamente, a de qualquer outro presidente norte-americano, nos 215 anos de existência do país.    

(Artigo publicado na página 15, Internacional, do Correio Popular, em 30 de abril de 1991)


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