Mídia
exagera no perfil de Saddam
Pedro J. Bondaczuk
O presidente iraquiano, general Saddam Hussein, vem
sendo pintado como um monstro cínico e desalmado perante a opinião pública
mundial, através da maior parte dos meios de comunicação do Planeta. Seu
apelido da década de 1970, de “Carniceiro de Bagdá”, foi convenientemente
desenterrado e é citado sempre que se pode. Ele tem sido comparado a todas as
figuras monstruosas que protagonizaram espetáculos sangrentos, principalmente
neste século.
A comparação mais freqüente é com o ditador nazista,
Adolf Hitler, responsável pelo assassinato de pelo menos seis milhões de judeus
na estúpida e criminosa ação que se chamou “Solução Final”, durante a Segunda
Guerra Mundial. É acusado de incompetente, oportunista e até de ladrão, por,
supostamente, ter desviado US$ 10 bilhões em lucros com a venda do petróleo do
país para sua conta particular e para a de seus familiares e protegidos.
É evidente que Saddam Hussein não é nenhum anjinho.
Tudo isso pode ser até verdade. Todavia, não é, também, pior do que os tantos
monstros criados no bojo da guerra fria, de 1945 para cá, a maioria dos quais
acabou premiada ao largar o poder, quando isso se tornou conveniente, indo
gozar na Riviera e em outros maravilhosos recantos terrestres as benesses dos
crimes praticados, de traição dos seus povos em favor de interesses “mais
amplos”.
O presidente iraquiano, com sua truculência, ao
invadir o Kuwait e recusar-se a retirar espontaneamente suas tropas do pequeno
emirado, propositalmente ou não, de forma deliberada ou casual, favoreceu muita
gente, que hoje deblatera para que ele seja levado a julgamento, como criminoso
de guerra.
Um dos grandes beneficiados, politicamente, com a
crise do Golfo Pérsico, foi o presidente norte-americano, George Bush.
Recorde-se que no início do ano passado, sua popularidade estava despencando de
maneira desastrosa.
O chefe da Casa Branca vinha sendo acusado de
inércia, de inação, de falta de ação para deter uma recessão que se desenhava
no horizonte econômico da mais poderosa potência do Planeta. Veio a invasão do
Kuwait. Mesmo então, a reação inicial norte-americana ao truculento ato foi de
vacilação, de incerteza quanto à forma de agir. O que fazer? Intervir ou não
intervir nessa crise regional?
Houvesse Bush sido firme nos primeiros dias de
ocupação do emirado e, possivelmente, não seria necessária a tragédia que se
montou, ato-a-ato, de 2 de agosto de 1990 a 17 de janeiro passado, quando do
bombardeio de Bagdá, que marcou o início da chamada Operação Tempestade no
Deserto.
A vacilação do presidente norte-americano estimulou
Saddam a não somente manter suas tropas no país vizinho, como a determinar a
sua anexação. Claro que tudo isso está esquecido agora, no rastro do
triunfalismo determinado pela expulsão militar dos invasores do emirado
ocupado.
Nos meses subseqüentes à agressão, dois personagens
ocuparam o palco mundial dos acontecimentos. Ambos esmeraram-se nas declarações
retóricas e atos dramáticos, como por exemplo as mensagens mútuas que eles
divulgaram em redes de televisão, um do outro, numa guerrinha de nervos de
cunho puramente propagandístico.
Na seqüência da crise, Bush mostrou-se mais hábil na
manipulação da mídia. Tanto é que, ao anunciar, em 28 de fevereiro passado, o
cessar-fogo de uma guerra amplamente anunciada, passo a passo, mas
paradoxalmente a que apresentou a mais rígida censura às informações
possivelmente de toda a História, sua popularidade interna superava,
disparadamente, a de qualquer outro presidente norte-americano, nos 215 anos de
existência do país.
(Artigo publicado na página 15, Internacional, do
Correio Popular, em 30 de abril de 1991)
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