A descoberta da vocação
Pedro
J. Bondaczuk
A “aventura” de
Humberto de Campos nos seringais da Amazônia (assunto que abordei em texto
anterior), teve, conforme o esperado, curta duração. O jovem sonhador não
conseguiu fazer a fortuna que esperava. Pudera! Não era proprietário de nenhum
seringal, mas simples empregado de um deles, e sem nenhuma garantia trabalhista
(que então era raríssima em qualquer atividade no País). O que Humberto ganhou
foi apenas experiência, e nada mais. Aliás, teve muita sorte por não contrair
nenhuma doença tropical, notadamente a malária, o terror dos trabalhadores que
se dedicavam à extração, processamento e transporte do então preciosíssimo
látex. Mas encarou, naquele ermo, no âmago da floresta, uma realidade muito
diferente, bem mais dura (duríssima) da que tinha em São Luiz, na casa do
comerciante José Dias de Matos, que era seu tutor e o considerava (e tratava)
como a um filho.
Raros foram os
aventureiros, atraídos pela ilusão da “fortuna fácil”, que conseguiram escapar
daquele ambiente hostil, que ficaria conhecido como “inferno verde”. Os
parentes distantes da maioria dos seringueiros nunca mais tiveram qualquer
notícia deles. Eles simplesmente, “desapareceram”. Humberto de Campos, todavia,
não retornou a São Luiz, para o aconchego do que poderia chamar (e que era) um
“lar”. Permaneceu na Amazônia, posto que não mais na selva. Foi para Belém, que
então já era florescente e progressista metrópole regional, onde, afinal,
encontrou o seu “destino”: o Jornalismo. E o jovem, talentoso e inteligente,
começou a nova carreira, que abraçaria por toda a vida, bem de baixo. A exemplo
do que havia ocorrido com Machado de Assis, a primeira função de Humberto de
Campos em um jornal foi a de tipógrafo. E aprendeu rápido como compor as
matérias a serem impressas. Não estacionou, todavia, nessa atividade, no jornal
“A Província”, de Belém.
Ocorre que, observando
os textos que compunha, começou a ensaiar as próprias reportagens e, sobretudo,
crônicas, políticas ou não. Não tardou para que esses seus “rabiscos”
inteligentes caíssem nas mãos dos superiores, que gostaram, sobretudo, do seu
estilo, da forma clara e concisa com que se expressava e da maneira inteligente
e sagaz com que observava as coisas. Seus chefes detectaram, ali, um talento
inato, que talvez precisasse ser burilado, mas que tinha potencial. Das
oficinas, Humberto de Campos foi promovido à Revisão do jornal. Daí para a
Redação, foi um pulo, simples questão de tempo, que nem mesmo foi tão extenso
assim.
Mas o progresso, do
então já jornalista, não parou por aí. Não tardou para dar um salto ainda
maior. Logo, logo, de mero aprendiz de tipógrafo, Humberto chegou ao topo da
carreira no jornal, tornando-se seu coproprietário. Ou seja, atingiu à condição
de sócio de “A Província”. Todavia, não teve vida fácil como empresário. O
jornal enfrentava sucessivas crises financeiras e mal conseguia se sustentar. Ocorre
que sua linha editorial era de oposição aos governos tanto de Belém, quanto do
Estado. E os políticos não perdoaram essa postura. Retaliaram “A Província”,
boicotando publicidade (e quem é do ramo sabe que ela é vital em qualquer
veículo de comunicação). As dificuldades financeiras eram crescentes e se
multiplicavam, a ponto de faltarem recursos até mesmo para matérias-primas do
jornal, como papel, tinta de impressão, chumbo para as máquinas de linotipo
etc.etc.etc.
Ademais, Belém se
tornara muito pequena para as ambições de Humberto de Campos. Ele queria mais,
muito mais, o máximo que o jornalismo pudesse oferecer. Buscava projeção,
divulgação, público o mais amplo possível para o seu trabalho. Mas isso só
poderia ocorrer no Rio de Janeiro, a então capital federal e o maior centro
econômico e cultural do País. “É ali que estão as oportunidades? Pois é para lá
que vou!”, raciocinou o jovem ambicioso (e talentoso, sem dúvida). E foi o que
fez. Em 1912, aos 26 anos de idade, vendeu a sua parte no “A Província” e
transferiu-se para o jornal carioca “O Imparcial”, com contrato já garantido.
Seria, para ele, o “tudo ou nada”. Confiava, porém, no seu talento. Logo de
cara, ganhou uma coluna diária de crônicas, que não tardou a cair no gosto dos
leitores.
Paralelamente, Humberto
de Campos ia reunindo textos novos e antigos, publicados em jornais, e compondo
sucessivos livros, que tinham vendas expressivas, garantindo novas publicações.
E sua popularidade, agora como escritor, crescia. Já se cogitava na sua eleição
para a Academia Brasileira de Letras. É verdade que o sucesso jornalístico e
literário não era garantia de prosperidade financeira. Afinal, ainda hoje,
tanto o jornalismo quanto a Literatura não deixam ninguém rico, salvo
raríssimas e honrosas exceções (eu que o diga!). Enquanto que no Pará, Humberto
de Campos havia publicado um único livro (“Poeira”, lançado em 1911), no Rio de
Janeiro as publicações se sucediam, praticamente à razão de uma por ano.
Cito, como exemplo,
os lançamentos de “Da seara de Booz” (crônicas, 1918), “Vale de Josafá”!
(contos humorísticos, 1919), “O mealheiro de Agripa” (comentários políticos e
literários, 1920), “Carvalhos e roseiras, (crítica literária, 1923), ”O arco de
Esopo e Antologia dos humoristas galantes” (contos humorísticos, 1926), ”O
conceito e a imagem na poesia brasileira” (pesquisa literária, 1929) e vai por
aí afora. Não foi surpresa para ninguém, pois, quando em 1919, aos 35 anos de
idade, Humberto de Campos foi eleito para a Academia Brasileira de Letras,
sucedendo o polêmico poeta Emílio de Menezes na cadeira de número 20. No ano
seguinte, foi eleito deputado federal pelo Maranhão, permanecendo na Câmara até
1930, quando Getúlio Vargas tomou o poder e fechou o Congresso.
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