A maior lição que Chernobyl
deixou
Pedro J. Bondaczuk
O
acidente na usina eletronuclear de Chernobyl, de longe o maior desastre no uso
pacífico da energia atômica, ensinou uma série de lições para as autoridades
dos diversos países que se utilizam desse recurso energético. Uma delas, é a de
que, por mais avançada que seja a tecnologia, por mais preparados que estejam
os técnicos e por mais perfeito que seja o equipamento, não existe nenhum
sistema absolutamente à prova de falhas. Outra, é a que demonstra que em casos
dessa natureza, tentar esconder a ocorrência é uma atitude irresponsável, senão
criminosa, e que não traz nenhum benefício para ninguém. Mais um desses
ensinamentos, é o que demonstra que os políticos não têm pudor em explorar as
grandes tragédias para realçar sua própria imagem e, em conseqüência, denegrir
a do adversário.
Entretanto, a lição mais preciosa do desastre
foi a autêntica "aula" de solidariedade, de desprendimento, de
altruísmo dada por dois norte-americanos, que não podem cair, jamais, no
esquecimento público. Afinal, eles prestaram socorro a pessoas de um país que
pode, na eventualidade de algum conflito, arrasar com o seu. Mas considerações
de ordem política, ideológica e de outras naturezas (tão menos nobres como estas)
não conseguiram inibir o seu espírito humanitário. Um deles é industrial, amigo
de longa data da União Soviética e que através da diplomacia do bom senso e da
boa vontade, já conseguiu resolver problemas que aparentavam ser insolúveis.
Trata-se de Armand Hammer, um afável velhinho, com livre trânsito nas salas e
corredores do Cremlin, desde 1921.
Esse
industrial enviou, no meio desta semana, uma remessa de US$ 500 milhões em
medicamentos a Moscou, para tentar salvar vidas dos atingidos pela tragédia de
Chernobyl. Fosse outro, procuraria vender o remédio, mesmo que por um preço
mais em conta. Isso não seria crime algum e nem mesmo uma atitude imoral.
Afinal, fora a amizade desinteressada que nutre pelo povo russo, que outro elo
o liga a esse país? Nenhum! É exatamente por isso que o seu gesto revestiu-se
de nobreza dobrada. Não havia qualquer interesse pessoal por trás dele.
Outro
norte-americano, a quem os soviéticos irão dever imensa gratidão por muito
tempo, é o médico Robert Gale. Exímio cirurgião, ele é especialista numa das
áreas que exigem maior perícia, de todos os ramos da medicina. Com a sabedoria
e o talento que Deus lhe deu, é uma grande sumidade no transplante de medula
óssea.
Se
há dez anos, alguém dissesse que esse tipo de cirurgia seria possível, seria
ridicularizado. Pois somente na União Soviética, esse profissional, que coloca
acima de questões outras, que não as humanitárias, o juramento que um dia fez
(de dar o máximo de si para minorar o sofrimento de seus semelhantes), realizou
algumas dezenas dessas operações, a maioria com sucesso absoluto.
Enquanto
existirem no mundo pessoas como Hammer e Gale (e felizmente há), nem tudo
estará perdido. Nenhum ser humano, quando nasce, traz estampada na testa (ou em
qualquer parte do corpo) sua ideologia e nem sua nacionalidade. Essas bobagens
ele adquire depois, no contato com aqueles que se recusam, terminantemente, a
raciocinar.
Sistemas
ideológicos, o mundo já teve dezenas, alguns hediondos e que pareciam que não
teriam fim. Mas tiveram. Nações, o cemitério da História está repleto de várias
que, orgulhosas no apogeu, tiveram fins melancólicos e desapareceram. Algumas,
até no corrente século.
Mas
a inteligência, a possibilidade de opção entre o bem e o mal e o espírito de
solidariedade e amor ao próximo, que caracteriza o que de mais nobre o homem
possui, têm sido imortais através dos milênios. Hammer, Gale e tantas outras
pessoas esclarecidas são as maiores provas disso.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 17 de maio de
1986)
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