Monday, November 28, 2016

Cidadãos fazem história


Pedro J. Bondaczuk


O dia 29 de setembro de 1992 incorpora-se, definitivamente, à história do Brasil, mas o seu sentido --- se positivo ou negativo --- vai depender da sociedade que se mobilizou por todo o País a favor do impeachment do presidente Fernando Collor e da restauração da ética na política.

A mesma exigência feita em relação ao político afastado, deve ser renovada, daqui para a frente, em relação a todo o homem público. O brasileiro pôde exercer, nos últimos meses, parte de seu direito de cidadania e tomara que tenha tomado gosto pelo exercício e o transforme doravante em rotina.

Mas não se esgotaram ainda todos os motivos para mobilização. Há muita, muitíssima coisa a ser mudada no Brasil, para reverter a atual e perversa ordem social. Há inúmeros direitos consagrados pela Constituição que vêm sendo sonegados aos cidadãos.

Há aberrações monstruosas, ilhas de prosperidade e desperdício convivendo com continentes de miséria tão profunda, capaz de rivalizar com a de países africanos, como a Somália, ou asiáticos, como Bangladesh.

O 29 de setembro terá um sentido histórico positivo, por exemplo, se cada intenção manifestada pelos deputados a favor do impeachment, enunciada antes do respectivo voto, seja, de fato, concretizada em atos. Os parlamentares falaram muito em dignidade, honestidade, num país ideal para os seus filhos.

Compete-lhes, agora, realizar tudo isso. O padre Antonio Vieira, num de seus antológicos sermões, observou: "Palavras sem obras são tiros sem balas; atroam, mas não ferem. A funda de Davi derrubou o gigante, mas não o derrubou com o estalo, senão com a pedra".

É importante, pois, que cada parlamentar tenha em mente as manifestações de boas intenções que expressou na hora em que for votar algum projeto envolvendo aposentados, ou assalariados, ou os menores abandonados.

Colbert já dizia que "a grandeza de um país não depende da extensão de seu território, mas do caráter do seu povo". E isto o brasileiro mostrou que tem e de sobra, a despeito de tantas análises depreciativas que circularam nos últimos tempos a seu respeito nos meios de comunicação.

O cidadão tem senso ético aguçado. O assalariado que recebe um mísero salário mínimo mensal não é o mesmo que distribui às mancheias cheques sem fundo, ou sonega impostos, ou suborna autoridades para obter o que não lhe cabe. E quem corrompe é gângster. Não é cidadão.

O 29 de setembro terá um sentido histórico positivo caso o novo presidente, Itamar Franco, governe com e para o povo, sem arroubos populistas, mas sem considerar a gente humilde de seu País como meros dados estatísticos. Se seus ministros e assessores não quiserem transformar as pessoas, os trabalhadores operosos e íntegros, em cobaias de experiências econômicas estapafúrdias. Se não repetir o detestável e criminoso exercício do "é dando que se recebe". Se eliminar de uma vez por todas a intermediação de verbas, o tráfico de influências, o apadrinhamento, enfim, a corrupção ativa e passiva, não apenas do seu governo, mas através de campanhas publicitárias bem engendradas, do próprio comportamento nacional.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 1 de outubro de 1992).


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