Tuesday, November 22, 2016

Território iraquiano é loteado


Pedro J. Bondaczuk


A guerra do Golfo Pérsico sequer atingiu seu momento culminante, a batalha terrestre pela libertação do Kuwait, que se prevê longa, sangrenta e desgastante, e já começou, nos bastidores, um novo conflito entre os vários países da região: a disputa pelos espólios do Iraque.

Os curdos sonham com a concretização do ideal de há tantos anos, do surgimento do Curdistão independente, na parte Norte do território iraquiano. Isto, certamente, preocupa a Turquia, que pode, preventivamente, ocupar uma vasta área em sua fronteira com o país de Saddam Hussein.

Para isso, é provável que os turcos entrem na luta, quando esta estiver mais definida do que agora e envolva menores riscos. Pretexto para isso sempre será possível de se arranjar. A Síria também quer levar o seu, assim como o Kuwait.

O Irã, por seu turno, sairá como o grande vencedor desta guerra, principalmente se mantiver sua atual postura de neutralidade e não disparar um único tiro. Ironicamente, o regime dos aiatolás, que indiretamente provocou o armamentismo do Iraque, por parte das superpotências e das potências secundárias do Ocidente e do Oriente, irá colher, pacificamente, os frutos que não conseguiu guerreando durante oito anos contra os iraquianos.

Recorde-se que os iranianos estiveram, de 1980 a 1988 – guardadas as devidas proporções – na mesma situação que o país de Saddam Hussein se encontra agora. O mundo virou-lhes as costas, no momento em que mais precisavam de ajuda e armou seu adversário até os dentes. Agora, esses mesmos “xerifes justiceiros” tentam destruir o monstro que criaram, a um custo de US$ 1 bilhão por dia.

Ao Irã não interessam outros territórios que não sejam os delimitados pelo Rio Shatt-Al-Arab, razão da guerra que travou no Golfo e que terminou rigorosamente empatada. E isso ninguém duvida que irá assegurar. Com a partilha do Iraque, as potências ocidentais voltarão a incorrer no mesmo erro de há um século, quando montaram as autênticas “bombas de tempo” de agora, representadas pelos países artificialmente criados então, que estão explodindo em nossos dias.

O Ocidente está celebrando, por antecedência, uma vitória que ainda não veio e que nem sabe se irá conseguir, indiferente às mortes causadas, à destruição promovida e à desgraça humana semeada. Dificilmente os comandantes aliados terão a sensibilidade e o tirocínio para se comportar como Albert Schweitzer recomendou há muitos anos.

O Prêmio Nobel da Paz de 1952 escreveu a esse respeito: “Na celebração de uma vitória, o general deveria agir como se assistisse a um funeral. A matança de seres humanos em grande número deve ser lamentada com lágrimas de compaixão. Portanto, aquele que venceu uma batalha deve comportar-se como se estivesse numa cerimônia fúnebre”.

Certamente, ninguém acredita que isso possa ocorrer. Estão semeando hoje as perversas guerras de amanhã. Basta esperar para ver a comprovação dessa atitude óbvia, e logicamente imprudente, mas que ninguém tem coragem, ou força de vontade de impedir.

(Artigo publicado na página 13, “A Guerra no Golfo”, do Correio Popular, em 9 de fevereiro de 1991).


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