Harmonias e dissonâncias
Pedro
J. Bondaczuk
A arte, qualquer uma,
qualifica o ser humano. Promove-o de mera criatura a criador. Confere-lhe
grandeza, transcendência e magia. E não importa a que categoria artística se
dedique, se à música, à pintura, à escultura, à dança, à arquitetura ou à
literatura com os seus vários gêneros. Todas elas requerem, além de técnica,
capacidade tanto de observação, quanto de interpretação, além da prerrogativa
de se emocionar e, mais do que isso, de transmitir a alguém (uma só pessoa ou
multidões, não importa) essas emoções.
Desde criança fui
educado para apreciar as artes e isso ocorreu bem antes de descobrir que
talento eu tinha (creio que todos têm um, mas a maioria, por várias razões,
nunca descobre qual é o seu). Nem sempre o que sabemos fazer bem é o de que
mais gostamos. No meu caso, embora tenha alguma aptidão para a literatura, mais
especificamente para a poesia (e jamais vou saber a que ponto ela realmente
chega), gosto mais, muito mais da música, para o que não tenho o menor cacoete.
Fascina-me o fato de
alguém conseguir reunir sons aparentemente dissonantes (e o são, tomados de
forma isolada) e com eles criar harmonia. É a única das artes que lida o tempo
todo com o abstrato, com o que só o ouvido percebe, mas a vista não vê e o tato
não apalpa. Considero, pois, o músico (tanto o que compõe – principalmente ele
– quanto o que executa as composições) o mais refinado dos artistas, sem
desmerecer os outros, claro.
Ademais, a música tem
relação direta com a atividade artística a que me dedico: a poesia. Não sei se
isso ocorre com todos os poetas (acredito que sim), mas quando componho um
poema, ouço, em minha imaginação, uma música ao fundo, que não conseguiria
reproduzir isoladamente, só com a melodia, mas que ganha coerência com o uso
das palavras, com seus respectivos sons, o que confere ou harmonia ou
dissonância aos versos.
Já me perguntaram por
que não transformo meus poemas em canções. Ou por que não me dedico a compor
letras em parceria com compositores musicais. Até já tentei essa experiência e
creio que me dei bem. Foi há um bom par de anos. Todavia, a minha feroz
autocrítica e a minha patológica desorganização não permitiram que essas
composições viessem a público e que as pessoas julgassem se tinham qualidade ou
não.
Por temor do ridículo,
não as mostrei para ninguém, prometendo, a mim mesmo, retificar as letras, aqui
e ali, antes de apresentá-las à crítica (ou à mera avaliação). Mas o que foi
fatal, no caso, foi o fato de eu ser, digamos, meio desorganizado. Guardei as
partituras em determinado lugar e me esqueci onde foi. E já revirei a casa toda
inúmeras vezes à sua procura, em vão. Dessa forma, fica irremediavelmente
perdida essa minha única aventura musical (embora não garanta que seja a
última).
Muitos poderão me
contestar quando afirmo que dissonâncias também criam maravilhosas composições.
Estes, certamente, ignoram os novos caminhos da música erudita, divididos nas
três correntes surgidas no início do século passado: a Escola de Viena, que
extinguiu a linguagem tonal; as aventuras musicais de Bela Bartok,
Chostakovich, Igor Fiodorovich Stravinsky e Sergei Sergeievich Prokofiev, que
romperam a barreira do processo tonal e implementaram combinações instrumentais
menos ortodoxas e, finalmente, o Neoclassicismo, que nos levou à chamada
pós-modernidade.
Justiça seja feita,
porém, a Claude Debussy, um dos precursores da reforma dos cânones musicais.
Destaque-se, em especial, sua “L’aprés-midi d’um faune”, peça inspirada em
poema do mesmo nome de Stéphane Mallarmé. De Stravinsky, que com Prokofiev foi
o precursor do Neoclassicismo, destacam-se composições como o “Pássaro de fogo”
– ballet de 1910 baseado em contos populares russos – “Petruchka” e “A sagração
da primavera”, entre outras.
E por que afirmei, no
início deste nosso bate-papo, que só a arte confere grandeza, transcendência e
magia ao ser humano? A ciência também não o faz? A filosofia idem? Fazem, é
certo, porém com imensas, com inúmeras, com insuperáveis limitações. A melhor
explicação para a minha tese vem de Monteiro Lobato, no livro “Serões da Dona
Benta”, em que observa: “Se a nossa inteligência é limitada e de todos os lados
dá de encontro a barreiras, temos o consolo de montar no cavalo da imaginação e
galopar pelo infinito”.
Trata-se de um
exercício que nada e ninguém conseguem impedir. Ademais, minha matéria-prima é
a emoção, posto que com leves pitadinhas de razão. Por isso faço minhas as
palavras de Le Corbusier, quando acentua: “Aquilo que fica das atividades humanas
não é o que serve, mas o que emociona”. É isso aí! Sou artista e não mero
artesão. Sou incapaz de produzir objetos que tenham qualquer tipo de serventia.
Para isso, porém, há milhões e milhões de pessoas que fazem isso, e muito bem,
por mim. Todavia (mesmo admitindo que não o use com perícia), conto com o dom
de emocionar (o que, convenhamos, não é tão comum). Por essa razão, tenho
fundadas esperanças de que a minha obra sobreviva, e em muito – por décadas, por séculos ou quiçá até por
milênios – à minha pessoa. Amém!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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