Tuesday, November 22, 2016

Harmonias e dissonâncias


Pedro J. Bondaczuk


A arte, qualquer uma, qualifica o ser humano. Promove-o de mera criatura a criador. Confere-lhe grandeza, transcendência e magia. E não importa a que categoria artística se dedique, se à música, à pintura, à escultura, à dança, à arquitetura ou à literatura com os seus vários gêneros. Todas elas requerem, além de técnica, capacidade tanto de observação, quanto de interpretação, além da prerrogativa de se emocionar e, mais do que isso, de transmitir a alguém (uma só pessoa ou multidões, não importa) essas emoções.

Desde criança fui educado para apreciar as artes e isso ocorreu bem antes de descobrir que talento eu tinha (creio que todos têm um, mas a maioria, por várias razões, nunca descobre qual é o seu). Nem sempre o que sabemos fazer bem é o de que mais gostamos. No meu caso, embora tenha alguma aptidão para a literatura, mais especificamente para a poesia (e jamais vou saber a que ponto ela realmente chega), gosto mais, muito mais da música, para o que não tenho o menor cacoete.

Fascina-me o fato de alguém conseguir reunir sons aparentemente dissonantes (e o são, tomados de forma isolada) e com eles criar harmonia. É a única das artes que lida o tempo todo com o abstrato, com o que só o ouvido percebe, mas a vista não vê e o tato não apalpa. Considero, pois, o músico (tanto o que compõe – principalmente ele – quanto o que executa as composições) o mais refinado dos artistas, sem desmerecer os outros, claro.

Ademais, a música tem relação direta com a atividade artística a que me dedico: a poesia. Não sei se isso ocorre com todos os poetas (acredito que sim), mas quando componho um poema, ouço, em minha imaginação, uma música ao fundo, que não conseguiria reproduzir isoladamente, só com a melodia, mas que ganha coerência com o uso das palavras, com seus respectivos sons, o que confere ou harmonia ou dissonância aos versos.

Já me perguntaram por que não transformo meus poemas em canções. Ou por que não me dedico a compor letras em parceria com compositores musicais. Até já tentei essa experiência e creio que me dei bem. Foi há um bom par de anos. Todavia, a minha feroz autocrítica e a minha patológica desorganização não permitiram que essas composições viessem a público e que as pessoas julgassem se tinham qualidade ou não.

Por temor do ridículo, não as mostrei para ninguém, prometendo, a mim mesmo, retificar as letras, aqui e ali, antes de apresentá-las à crítica (ou à mera avaliação). Mas o que foi fatal, no caso, foi o fato de eu ser, digamos, meio desorganizado. Guardei as partituras em determinado lugar e me esqueci onde foi. E já revirei a casa toda inúmeras vezes à sua procura, em vão. Dessa forma, fica irremediavelmente perdida essa minha única aventura musical (embora não garanta que seja a última).

Muitos poderão me contestar quando afirmo que dissonâncias também criam maravilhosas composições. Estes, certamente, ignoram os novos caminhos da música erudita, divididos nas três correntes surgidas no início do século passado: a Escola de Viena, que extinguiu a linguagem tonal; as aventuras musicais de Bela Bartok, Chostakovich, Igor Fiodorovich Stravinsky e Sergei Sergeievich Prokofiev, que romperam a barreira do processo tonal e implementaram combinações instrumentais menos ortodoxas e, finalmente, o Neoclassicismo, que nos levou à chamada pós-modernidade.

Justiça seja feita, porém, a Claude Debussy, um dos precursores da reforma dos cânones musicais. Destaque-se, em especial, sua “L’aprés-midi d’um faune”, peça inspirada em poema do mesmo nome de Stéphane Mallarmé. De Stravinsky, que com Prokofiev foi o precursor do Neoclassicismo, destacam-se composições como o “Pássaro de fogo” – ballet de 1910 baseado em contos populares russos – “Petruchka” e “A sagração da primavera”, entre outras.                     

E por que afirmei, no início deste nosso bate-papo, que só a arte confere grandeza, transcendência e magia ao ser humano? A ciência também não o faz? A filosofia idem? Fazem, é certo, porém com imensas, com inúmeras, com insuperáveis limitações. A melhor explicação para a minha tese vem de Monteiro Lobato, no livro “Serões da Dona Benta”, em que observa: “Se a nossa inteligência é limitada e de todos os lados dá de encontro a barreiras, temos o consolo de montar no cavalo da imaginação e galopar pelo infinito”.

Trata-se de um exercício que nada e ninguém conseguem impedir. Ademais, minha matéria-prima é a emoção, posto que com leves pitadinhas de razão. Por isso faço minhas as palavras de Le Corbusier, quando acentua: “Aquilo que fica das atividades humanas não é o que serve, mas o que emociona”. É isso aí! Sou artista e não mero artesão. Sou incapaz de produzir objetos que tenham qualquer tipo de serventia. Para isso, porém, há milhões e milhões de pessoas que fazem isso, e muito bem, por mim. Todavia (mesmo admitindo que não o use com perícia), conto com o dom de emocionar (o que, convenhamos, não é tão comum). Por essa razão, tenho fundadas esperanças de que a minha obra sobreviva, e em muito –  por décadas, por séculos ou quiçá até por milênios – à minha pessoa. Amém!!! 


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