Democracia
e poder
Pedro J. Bondaczuk
A palavra democracia, há tempos, desde que os gregos
antigos cunharam a expressão para significar um governo do povo, pelo povo e
para o povo, tem se prestado a inúmeras interpretações. Regimes notoriamente
ditatoriais, quer de direita, quer de esquerda, sempre se auto-rotularam de
“democratas”.
Raros foram os tiranos que, num ataque de
sinceridade, admitiram suas tiranias. Para cada pessoa, dependendo da sua
formação, da sua índole e da sua realidade, a palavra tem um sentido totalmente
diferente.
Para uns, o simples direito a voto já se constitui
no máximo exercício democrático. Bobagem. Na ex-União Soviética, a população
era convocada periodicamente às urnas e seu regime era ditatorial. Era-lhe
posta a seguinte situação: “Você pode votar em qualquer partido, desde que seja
o Comunista. Pode escolher qualquer representante, desde que seja o Ivan”.
Lógico que o regime findo após a perestroika
encabeçada por Mikhail Gorbachev e, principalmente depois da tentativa de golpe
de Estado de 19 de agosto de 1991, não era sequer um arremedo caricato de
democracia.
Outro conceito que nem sempre é bem entendido é o
que se refere ao poder. A esse propósito, a filósofa Hannah Arendt tem uma
citação lapidar, posto que escudada na lógica que, embora óbvia, nem sempre
chega a ser percebida. Diz: “Ninguém possui verdadeiramente o poder; ele surge
entre os homens que atuam em conjunto e desaparece quando eles novamente se
dispersam”.
Trata-se de uma outra forma de dizer que ele “emana
do povo e em seu nome é exercido”, conforme preceituam várias Constituições,
inclusive a brasileira. Há, todavia, aqueles que se julgam “bafejados” pelos
deuses, escolhidos pelo destino para ordenarem e serem obedecidos. Estes, em
geral, terminam escorraçados dos cargos, se eles são obtidos por meios
ilegítimos, e até de mentes e corações de sua gente.
A conclusão é que não há democracia perfeita,
acabada, prontinha para o consumo. É uma tarefa diária a de conservá-la e
melhorá-la. O saudoso político mineiro e presidente eleito, Tancredo Neves,
costumava compará-la a uma “frágil plantinha que precisa ser cuidada e regada
cotidianamente”.
Consiste, basicamente, na administração de
controvérsias que normalmente surgem numa sociedade, onde em geral os
interesses dos vários grupos que a compõem são antagônicos e conflitantes. Não
se trata, portanto, de um sistema consensual, onde todos concordam com todos.
Há regimes democráticos mais ou menos perfeitos,
dependendo de cada povo. Afinal, como constatou o dramaturgo irlandês, George
Bernard Shaw, célebre por suas tiradas irônicas, e por isso de rara verdade, “a
democracia não pode erguer-se acima do material humano de que é composta”.
Trata-se de uma criação dos homens e, por isso, traz
a marca de seu criador: a da imperfeição. Todavia, a despeito de suas
limitações, não se inventou um melhor sistema para gerir grupamentos humanos.
Ou seja, a mais imperfeita das democracias é infinitamente melhor do que a mais
perfeita das ditaduras.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 10 de outubro de 1992)
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