Wednesday, November 16, 2016

Democracia e poder


Pedro J. Bondaczuk


A palavra democracia, há tempos, desde que os gregos antigos cunharam a expressão para significar um governo do povo, pelo povo e para o povo, tem se prestado a inúmeras interpretações. Regimes notoriamente ditatoriais, quer de direita, quer de esquerda, sempre se auto-rotularam de “democratas”.

Raros foram os tiranos que, num ataque de sinceridade, admitiram suas tiranias. Para cada pessoa, dependendo da sua formação, da sua índole e da sua realidade, a palavra tem um sentido totalmente diferente.

Para uns, o simples direito a voto já se constitui no máximo exercício democrático. Bobagem. Na ex-União Soviética, a população era convocada periodicamente às urnas e seu regime era ditatorial. Era-lhe posta a seguinte situação: “Você pode votar em qualquer partido, desde que seja o Comunista. Pode escolher qualquer representante, desde que seja o Ivan”.

Lógico que o regime findo após a perestroika encabeçada por Mikhail Gorbachev e, principalmente depois da tentativa de golpe de Estado de 19 de agosto de 1991, não era sequer um arremedo caricato de democracia.

Outro conceito que nem sempre é bem entendido é o que se refere ao poder. A esse propósito, a filósofa Hannah Arendt tem uma citação lapidar, posto que escudada na lógica que, embora óbvia, nem sempre chega a ser percebida. Diz: “Ninguém possui verdadeiramente o poder; ele surge entre os homens que atuam em conjunto e desaparece quando eles novamente se dispersam”.

Trata-se de uma outra forma de dizer que ele “emana do povo e em seu nome é exercido”, conforme preceituam várias Constituições, inclusive a brasileira. Há, todavia, aqueles que se julgam “bafejados” pelos deuses, escolhidos pelo destino para ordenarem e serem obedecidos. Estes, em geral, terminam escorraçados dos cargos, se eles são obtidos por meios ilegítimos, e até de mentes e corações de sua gente.

A conclusão é que não há democracia perfeita, acabada, prontinha para o consumo. É uma tarefa diária a de conservá-la e melhorá-la. O saudoso político mineiro e presidente eleito, Tancredo Neves, costumava compará-la a uma “frágil plantinha que precisa ser cuidada e regada cotidianamente”.

Consiste, basicamente, na administração de controvérsias que normalmente surgem numa sociedade, onde em geral os interesses dos vários grupos que a compõem são antagônicos e conflitantes. Não se trata, portanto, de um sistema consensual, onde todos concordam com todos.

Há regimes democráticos mais ou menos perfeitos, dependendo de cada povo. Afinal, como constatou o dramaturgo irlandês, George Bernard Shaw, célebre por suas tiradas irônicas, e por isso de rara verdade, “a democracia não pode erguer-se acima do material humano de que é composta”.

Trata-se de uma criação dos homens e, por isso, traz a marca de seu criador: a da imperfeição. Todavia, a despeito de suas limitações, não se inventou um melhor sistema para gerir grupamentos humanos. Ou seja, a mais imperfeita das democracias é infinitamente melhor do que a mais perfeita das ditaduras.      

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 10 de outubro de 1992)


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