Friday, November 04, 2016

O tema esquecido



Pedro J. Bondaczuk


A imprensa dos países chamados de Primeiro Mundo destacou, nas semanas anteriores, que a explosão demográfica foi o tema que faltou na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio-92, que se encerrou, oficialmente, no domingo passado.

É verdade que a falta de um planejamento familiar cuidadoso é uma das causas – embora remotas – do aumento do grau de miserabilidade do chamado Terceiro Mundo. E a miséria, conforme consenso obtido entre os participantes dessa histórica e inédita reunião, é, por diversos motivos, o perigo maior para o Planeta na atualidade. A questão, todavia, precisa ser colocada nos devidos termos.

O economista suíço Rudolf H. Strahm, em seu livro “Subdesenvolvimento, por que somos tão pobres?”, apresenta uma abordagem do assunto que deveria ser a daqueles que se arrogam donos da Terra, como se esta pudesse ou devesse ter proprietários e não meros inquilinos. Ou tripulantes, já que ela é uma gigantesca nave a singrar o espaço.

Quem depreda mais os recursos terrestres, em nome de um pretenso progresso, palavra em torno da qual sequer existe um consenso sobre o que seja? Certamente não são os povos do chamado Terceiro Mundo, caso contrário eles não deteriam as reservas que detêm e que as sociedades desenvolvidas, oportunisticamente, se arrogam em “guardiãs”.

Strahm, em sua obra, põe o dedo direto na ferida. Constata: “Superconsumo e penúria caracterizam a situação energética mundial: um americano do Norte consome em média tanta energia quanto dois europeus, 55 indianos, 168 tanzanianos e 900 nepaleses. Os 6% da população mundial que vivem nos Estados Unidos consomem mais de um quarto da energia mundial e 2,3 vezes mais do que todos os países em desenvolvimento reunidos (inclusive os países produtores de petróleo)”.

Entende-se, diante desse simples dado – citado, aliás, por um economista suíço, do Primeiro Mundo e que, portanto, não tem o mínimo interesse em exagerar estatísticas – a razão pela qual o presidente norte-americano, George Bush, se recusou a assinar o Tratado da Biodiversidade. Não foi só por razões eleitoreiras. Nem por preocupações humanitárias.

Ele argumentou que seu compromisso básico é com o emprego dos cidadãos do seu país. Só que se fez de esquecido num pequeno “detalhe”. Os recursos do Planeta não são inesgotáveis nem renováveis e aqueles que os Estados Unidos tinham de sobra, estão, praticamente, exauridos.

Como suas indústrias vão continuar fabricando milhões e milhões de unidades de produtos supérfluos, alimentando um consumismo absurdo, sem matérias-primas ou sem fontes de energia? Strahm assinala, portanto, que a chamada “explosão demográfica”, para ser colocada em seus devidos termos, precisa ser “relativizada”. E conclui:”...cada recém-nascido nos Estados Unidos custa ao meio-ambiente e aos recursos naturais o mesmo que 55 recém-nascidos na Índia”, por exemplo.

Do ponto de vista da ecologia mundial o consumo de energia, a utilização de matérias-primas naturais e a degradação do meio-ambiente que ocorrem nos países ricos são, certamente, tão graves quanto a explosão demográfica dos países em desenvolvimento.

Este, sim, foi o grande tema ausente das deliberações da Rio-92. Embora fosse mencionado (muito de passagem), não recebeu a ênfase que mereceria. Fica a impressão de que os povos do Primeiro Mundo acham que os desequilíbrios da natureza seguirão o mesmo padrão de seu egoísmo e ausência de bom-senso, ou seja, atingirão somente as sociedades cujos territórios se situam ao Sul da linha do equador.

Seria este o “paraíso” que sua mídia tanto apregoa como fruto dos milagres da “tecnologia”, que tais países querem “construir”? Um ambiente como esse a pena de Dante Alighieri idealizou com muito mais talento e humor, só que o denominou de “inferno”, onde os que entram precisam deixar na porta “todas as suas esperanças”.       

(Artigo publicado na página 3, Opinião, do Correio Popular, em 21 de junho de 1992)


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