Jovem Guarda
Pedro
J. Bondaczuk
O programa Jovem
Guarda, que era exibido em meados dos anos 60 pela antiga TV Record, deixou
muitas saudades em milhões de brasileiros, que curtiram plenamente esse
movimento, até como forma de se esquecer que o país vivia, na ocasião, sob uma
feroz ditadura militar, que praticamente castrou, em termos de criatividade,
toda uma geração.
Até quem não viveu esse
período, por ainda não ter nascido, manifesta indisfarçável fascínio por ele.
Todavia o faz por motivos (e de maneira) diferentes de nós, que o vivemos em
“sua” plenitude (e na “nossa”, no auge da juventude). Para esses, as músicas, as roupas, o cabelo e
o linguajar dessa época soam como coisas exóticas, como símbolos ultrapassados,
posto que românticos, da geração dos seus avós.
Como ocorre com todo
sessentão (ou com parte considerável deles), essa fase ficou registrada em
minha memória com cores muito fortes, meio que surrealistas, sem meios-tons,
integrando-se à minha personalidade como parte relevante do que hoje sou. As
idéias, as músicas, os trajes, a rebeldia... Tudo isso incorporou-se à nossa
pessoa, espontaneamente, sem que sequer nos déssemos conta.
Cada um desses itens
modificou a nossa maneira de ser, de pensar e de agir e enriqueceu (na minha
avaliação) nossas diferentes biografias. Por isso, sou incapaz de pensar nesse
período – que então considerava difícil (e que era, por causa da ditadura
militar) sem uma pontinha de nostalgia, sem uma sensação de perda, sem que me
sinta logrado pelo tempo.
Se na época, quando
torcia para o tempo passar depressa, para que eu viesse a amadurecer o mais
rápido possível, se alguém dissesse que me sentiria como me sinto agora, eu
iria rir em sua cara e provavelmente lhe dizer uns dois ou três palavrões, dos
mais cabeludos. Mas hoje gostaria tanto
que aqueles anos de loucuras e de sonhos voltassem, porém sem os percalços
políticos de então. Tolice minha, claro. O tempo não pára e muito menos volta.
É até meio esquisito
ver ídolos daqueles anos – Roberto e Erasmo Carlos, Wanderléia, Eduardo Araújo,
Martinha, Vanusa, Ronie Von, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani e tantos outros –
envelhecidos, sem a picardia da mocidade, que era o seu distintivo, o seu
charme, a sua graça.
Estão todos desgastados
pelos anos, da mesma forma que o espelho denuncia a cada manhã que também
estou. Todos são sessentões, como eram seus pais na época, aos quais se opunham
tendo como expressões dessa rebeldia sem causa a roupa desbotada, os cabelos
compridos, o linguajar peculiar, usados como armas no conflito (nada original)
entre gerações.
O que fazer? A juventude,
ao contrário do que pensamos quando estamos nela, não é uma condição
permanente. Antes fosse. Num piscar de olhos, se esvai, sem avisos ou alarmes.
Nós é que muitas vezes tardamos a reconhecer que ela passou, que deixamos de
ser os "tops" da moda, que não somos mais os mesmos. E que uma nova
geração nos substitui, sonhando os mesmos sonhos que sonhamos, lutando as
mesmas batalhas que lutamos, inventando nova linguagem (como um dia inventamos)
e achando que são e sempre serão originais.
Como nossos avós
acharam. Como nossos pais também. Como nós... Como seus sucessores vão achar
até o fim dos tempos. Mas, como dizia o filósofo, "não existe nada de novo
debaixo do Sol".
Dia desses, revendo
velhas fotografias da época, refleti bastante sobre esse movimento, que foi
mais do que meramente musical, mas uma revolução pacífica de comportamento que
alcançou o mundo, e me dei conta do quanto essa etapa da minha vida foi
importante. Machado de Assis chegou a abordar essas transformações pelas quais
passamos, comparando o processo a um livro (eu diria, a uma obra de humor,
posto que muitas vezes descambando para o tragicômico). Escreveu: "Cada
estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida
também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes".
Aliás, antes da Jovem
Guarda, eu e minha geração havíamos sido influenciados (e modificados) por
outros movimentos, que tinham sua expressão mais visível (ou no caso, audível)
na música popular, mas que se refletiam em todo um conjunto de comportamentos,
de modismos, de formas de ser e agir.
Transviamo-nos com
James Dean, nosso símbolo de rebeldia. Entramos no embalo das "pedras que
rolam" do rock'n roll, com o rei do topete, Elvis Presley. Deliciamo-nos
com a poesia urbana e um tanto alienada da Bossa Nova, com seu ritmo
revolucionariamente dodecafônico. Tornamo-nos cabeludos com os Beatles e
Rolling Stones. E para não sermos chamados de "velhos demodês",
inibimos ligeiramente o senso de ridículo e aderimos ao atual rock pauleira.
Corrigimos, como previa Machado de Assis, "as edições anteriores..."
Talvez, todavia, para pior. Mas isso nunca iremos saber com certeza. E, caso
saibamos, certamente jamais iremos admitir.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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