Thursday, November 17, 2016

Jovem Guarda


Pedro J. Bondaczuk


O programa Jovem Guarda, que era exibido em meados dos anos 60 pela antiga TV Record, deixou muitas saudades em milhões de brasileiros, que curtiram plenamente esse movimento, até como forma de se esquecer que o país vivia, na ocasião, sob uma feroz ditadura militar, que praticamente castrou, em termos de criatividade, toda uma geração.

Até quem não viveu esse período, por ainda não ter nascido, manifesta indisfarçável fascínio por ele. Todavia o faz por motivos (e de maneira) diferentes de nós, que o vivemos em “sua” plenitude (e na “nossa”, no auge da juventude).  Para esses, as músicas, as roupas, o cabelo e o linguajar dessa época soam como coisas exóticas, como símbolos ultrapassados, posto que românticos, da geração dos seus avós.

Como ocorre com todo sessentão (ou com parte considerável deles), essa fase ficou registrada em minha memória com cores muito fortes, meio que surrealistas, sem meios-tons, integrando-se à minha personalidade como parte relevante do que hoje sou. As idéias, as músicas, os trajes, a rebeldia... Tudo isso incorporou-se à nossa pessoa, espontaneamente, sem que sequer nos déssemos conta.

Cada um desses itens modificou a nossa maneira de ser, de pensar e de agir e enriqueceu (na minha avaliação) nossas diferentes biografias. Por isso, sou incapaz de pensar nesse período – que então considerava difícil (e que era, por causa da ditadura militar) sem uma pontinha de nostalgia, sem uma sensação de perda, sem que me sinta logrado pelo tempo.

Se na época, quando torcia para o tempo passar depressa, para que eu viesse a amadurecer o mais rápido possível, se alguém dissesse que me sentiria como me sinto agora, eu iria rir em sua cara e provavelmente lhe dizer uns dois ou três palavrões, dos mais cabeludos.  Mas hoje gostaria tanto que aqueles anos de loucuras e de sonhos voltassem, porém sem os percalços políticos de então. Tolice minha, claro. O tempo não pára e muito menos volta.

É até meio esquisito ver ídolos daqueles anos – Roberto e Erasmo Carlos, Wanderléia, Eduardo Araújo, Martinha, Vanusa, Ronie Von, Wanderley Cardoso, Jerry Adriani e tantos outros – envelhecidos, sem a picardia da mocidade, que era o seu distintivo, o seu charme, a sua graça.

Estão todos desgastados pelos anos, da mesma forma que o espelho denuncia a cada manhã que também estou. Todos são sessentões, como eram seus pais na época, aos quais se opunham tendo como expressões dessa rebeldia sem causa a roupa desbotada, os cabelos compridos, o linguajar peculiar, usados como armas no conflito (nada original) entre gerações.

O que fazer? A juventude, ao contrário do que pensamos quando estamos nela, não é uma condição permanente. Antes fosse. Num piscar de olhos, se esvai, sem avisos ou alarmes. Nós é que muitas vezes tardamos a reconhecer que ela passou, que deixamos de ser os "tops" da moda, que não somos mais os mesmos. E que uma nova geração nos substitui, sonhando os mesmos sonhos que sonhamos, lutando as mesmas batalhas que lutamos, inventando nova linguagem (como um dia inventamos) e achando que são e sempre serão originais.

Como nossos avós acharam. Como nossos pais também. Como nós... Como seus sucessores vão achar até o fim dos tempos. Mas, como dizia o filósofo, "não existe nada de novo debaixo do Sol".

Dia desses, revendo velhas fotografias da época, refleti bastante sobre esse movimento, que foi mais do que meramente musical, mas uma revolução pacífica de comportamento que alcançou o mundo, e me dei conta do quanto essa etapa da minha vida foi importante. Machado de Assis chegou a abordar essas transformações pelas quais passamos, comparando o processo a um livro (eu diria, a uma obra de humor, posto que muitas vezes descambando para o tragicômico). Escreveu: "Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes".

Aliás, antes da Jovem Guarda, eu e minha geração havíamos sido influenciados (e modificados) por outros movimentos, que tinham sua expressão mais visível (ou no caso, audível) na música popular, mas que se refletiam em todo um conjunto de comportamentos, de modismos, de formas de ser e agir.

Transviamo-nos com James Dean, nosso símbolo de rebeldia. Entramos no embalo das "pedras que rolam" do rock'n roll, com o rei do topete, Elvis Presley. Deliciamo-nos com a poesia urbana e um tanto alienada da Bossa Nova, com seu ritmo revolucionariamente dodecafônico. Tornamo-nos cabeludos com os Beatles e Rolling Stones. E para não sermos chamados de "velhos demodês", inibimos ligeiramente o senso de ridículo e aderimos ao atual rock pauleira. Corrigimos, como previa Machado de Assis, "as edições anteriores..." Talvez, todavia, para pior. Mas isso nunca iremos saber com certeza. E, caso saibamos, certamente jamais iremos admitir.


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