Thursday, November 10, 2016

Contra a parede


Pedro J. Bondaczuk


Os EUA e a União Soviética encontram-se atualmente em impasses pitorescamente parecidos quanto a dois países de suas respectivas zonas de influência que querem fugir-lhes por entre os dedos. Ao mesmo tempo, Washington e Moscou procuram "atirar pedras" --- um no "quintal" do outro --- buscando dividir ao máximo os respectivos blocos adversários. E se advertem mutuamente, criando um clima de elevada tensão entre o Oriente e o Ocidente.

 O presidente norte-americano Ronald Reagan, por exemplo, está tendo que investir crescentes quantias em dinheiro e armamentos para financiar e garantir a frágil e artificiosa junta governante de El Salvador. Os vinte milhões de dólares em ajuda militar que o ex-presidente Jimmy Carter concedeu aos salvadorenhos no ano passado poderão até mesmo ser decuplicados nos próximos dias, atingindo a respeitável cifra de US$ 200 milhões. Reagan procura evitar, dessa forma, que aquele desgastado e sumamente impopular regime seja derrubado pela guerrilha esquerdista da pobre e populosa República centro-americana. Segundo o presidente dos EUA, os rebeldes são apoiados e armados pela URSS, via Cuba e Nicarágua.

Para impedir a criação de um novo governo marxista na América Central --- no próprio "jardim" da Casa Branca, como Ronald Reagan classificou esse país em recente entrevista coletiva à imprensa --- ele está disposto até mesmo a enviar a El Salvador, embora negue terminantemente, os seus guapos "mariners". Os observadores militares norte-americanos já começam a seguir para território salvadorenho, como um primeiro passo para essa esperada invasão.

Os aliados dos EUA, porém, não parecem dispostos a embarcar com eles em mais essa aventura intervencionista. Prova eloqüente disso foi o fracasso das missões Eagleburger e Walthers, respectivamente na Europa e na América Latina, onde foram buscar apoio à nova e agressiva política norte-americana. Em nenhum dos dois continentes Reagan conseguiu convencer os países amigos da necessidade dessa temerária ação.

Ela seria, ao que parece, numa imagem bem popular, igual à solução do "mocinho" dos filmes de "cowboy" em que o presidente atuou como ator. Ou seja, apelar para a "cavalaria" --- no caso os fuzileiros navais --- quando o destemido vaqueiro está em desvantagem na luta contra os índios pele-vermelhas. Só que a arena política internacional em nada se assemelha aos "westerns" hollywoodianos. Nela bandido e herói, freqüentemente, se confundem. Os papéis quase sempre se invertem. E o sofrido povo salvadorenho, que num único ano de guerra civil teve mais de catorze mil mortos, não pode --- nem com a maior má vontade possível --- ser comparado ao malfeitor pele-vermelha.

As atribulações do todo-poderoso líder soviético Leonid Brezhnev, com relação à Polônia, não são nada menores. Além dele estar injetando grandes quantidades de dinheiro na falida economia polonesa, mal planejada pelos burocratas de Varsóvia durante a última década e muito perto do colapso total, se vê na iminência de ter que invadir o rebelde vizinho, para conter a onda liberalizante que dele se apossou. Essa avalanche de protestos e greves que toma conta daquele país seria, conforme afirma o Kremlin --- não sem uma pontinha de razão --- de inspiração ocidental. Os sindicalistas do Solidariedade --- hoje mais uma poderosa força de oposição política do que um sindicato operário --- estariam sendo instigados e mantidos financeiramente pela poderosa central sindical norte-americana AFL-CIO. E seu objetivo não seria apenas o de arrancar do governo fundamentais conquistas de caráter social e trabalhista. Estaria até na tomada do poder pela classe operária. Isso, a julgar-se pelas declarações que deu recentemente à jornalista italiana Oriana Falacci, do jornal milanês "Corriere della Sera", o líder máximo dos trabalhadores poloneses, Lech Walesa.

O socialismo está sendo posto severamente à prova na Polônia. Agora é o momento de Moscou mostrar ao mundo --- o que certamente não tem condições nem vontade de fazer --- a diferença entre a "ditadura do proletariado" e a exercida "sobre" ele. Uma invasão àquela República marxista poderia ter o mesmo efeito passional no Ocidente da tomada de Dantzing --- atual Gdansk --- por parte dos soldados de Hitler em setembro de 1939. Poderia significar até mesmo a guerra. Afinal, os soldados europeus não derramaram inutilmente seu sangue pela Polônia contra o nazismo, nos dolorosos anos da Segunda Guerra Mundial. No momento oportuno eles vão cobrá-lo. E muito caro.

O fato do atual Papa ser polonês é outro fator que pode inibir uma reação mais dura da URSS contra Varsóvia, semelhante à adotada, por exemplo, na Hungria, em 1956, Checoslováquia, em 1968 e Afeganistão, no Natal de 1979.

As aspirações do povo polonês --- como as do salvadorenho --- são justas e legítimas. Mas as oposições em ambos os países estão agindo como Dom Quixote. Como o amalucado personagem de Cervantes, combatem apenas com lanças de lata as poderosas superpotências, que na sua desmedida ambição por poder e riqueza, transformaram o mundo em "quintais de suas casas". E a humanidade, por conseqüência, em instrumentos para a consolidação da sua grandeza e poderio.

(Artigo publicado na página 2, de Opinião, do Diário do Povo em 13 de março de 1981)


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