Contra a parede
Pedro J. Bondaczuk
Os
EUA e a União Soviética encontram-se atualmente em impasses pitorescamente
parecidos quanto a dois países de suas respectivas zonas de influência que
querem fugir-lhes por entre os dedos. Ao mesmo tempo, Washington e Moscou
procuram "atirar pedras" --- um no "quintal" do outro ---
buscando dividir ao máximo os respectivos blocos adversários. E se advertem
mutuamente, criando um clima de elevada tensão entre o Oriente e o Ocidente.
O presidente norte-americano Ronald Reagan,
por exemplo, está tendo que investir crescentes quantias em dinheiro e
armamentos para financiar e garantir a frágil e artificiosa junta governante de
El Salvador. Os vinte milhões de dólares em ajuda militar que o ex-presidente
Jimmy Carter concedeu aos salvadorenhos no ano passado poderão até mesmo ser
decuplicados nos próximos dias, atingindo a respeitável cifra de US$ 200
milhões. Reagan procura evitar, dessa forma, que aquele desgastado e sumamente
impopular regime seja derrubado pela guerrilha esquerdista da pobre e populosa
República centro-americana. Segundo o presidente dos EUA, os rebeldes são
apoiados e armados pela URSS, via Cuba e Nicarágua.
Para
impedir a criação de um novo governo marxista na América Central --- no próprio
"jardim" da Casa Branca, como Ronald Reagan classificou esse país em
recente entrevista coletiva à imprensa --- ele está disposto até mesmo a enviar
a El Salvador, embora negue terminantemente, os seus guapos
"mariners". Os observadores militares norte-americanos já começam a
seguir para território salvadorenho, como um primeiro passo para essa esperada
invasão.
Os
aliados dos EUA, porém, não parecem dispostos a embarcar com eles em mais essa
aventura intervencionista. Prova eloqüente disso foi o fracasso das missões
Eagleburger e Walthers, respectivamente na Europa e na América Latina, onde
foram buscar apoio à nova e agressiva política norte-americana. Em nenhum dos
dois continentes Reagan conseguiu convencer os países amigos da necessidade
dessa temerária ação.
Ela
seria, ao que parece, numa imagem bem popular, igual à solução do
"mocinho" dos filmes de "cowboy" em que o presidente atuou
como ator. Ou seja, apelar para a "cavalaria" --- no caso os
fuzileiros navais --- quando o destemido vaqueiro está em desvantagem na luta
contra os índios pele-vermelhas. Só que a arena política internacional em nada
se assemelha aos "westerns" hollywoodianos. Nela bandido e herói,
freqüentemente, se confundem. Os papéis quase sempre se invertem. E o sofrido
povo salvadorenho, que num único ano de guerra civil teve mais de catorze mil
mortos, não pode --- nem com a maior má vontade possível --- ser comparado ao
malfeitor pele-vermelha.
As
atribulações do todo-poderoso líder soviético Leonid Brezhnev, com relação à
Polônia, não são nada menores. Além dele estar injetando grandes quantidades de
dinheiro na falida economia polonesa, mal planejada pelos burocratas de
Varsóvia durante a última década e muito perto do colapso total, se vê na
iminência de ter que invadir o rebelde vizinho, para conter a onda
liberalizante que dele se apossou. Essa avalanche de protestos e greves que
toma conta daquele país seria, conforme afirma o Kremlin --- não sem uma
pontinha de razão --- de inspiração ocidental. Os sindicalistas do
Solidariedade --- hoje mais uma poderosa força de oposição política do que um
sindicato operário --- estariam sendo instigados e mantidos financeiramente
pela poderosa central sindical norte-americana AFL-CIO. E seu objetivo não
seria apenas o de arrancar do governo fundamentais conquistas de caráter social
e trabalhista. Estaria até na tomada do poder pela classe operária. Isso, a
julgar-se pelas declarações que deu recentemente à jornalista italiana Oriana
Falacci, do jornal milanês "Corriere della Sera", o líder máximo dos
trabalhadores poloneses, Lech Walesa.
O
socialismo está sendo posto severamente à prova na Polônia. Agora é o momento
de Moscou mostrar ao mundo --- o que certamente não tem condições nem vontade
de fazer --- a diferença entre a "ditadura do proletariado" e a
exercida "sobre" ele. Uma invasão àquela República marxista poderia
ter o mesmo efeito passional no Ocidente da tomada de Dantzing --- atual Gdansk
--- por parte dos soldados de Hitler em setembro de 1939. Poderia significar
até mesmo a guerra. Afinal, os soldados europeus não derramaram inutilmente seu
sangue pela Polônia contra o nazismo, nos dolorosos anos da Segunda Guerra
Mundial. No momento oportuno eles vão cobrá-lo. E muito caro.
O
fato do atual Papa ser polonês é outro fator que pode inibir uma reação mais
dura da URSS contra Varsóvia, semelhante à adotada, por exemplo, na Hungria, em
1956, Checoslováquia, em 1968 e Afeganistão, no Natal de 1979.
As
aspirações do povo polonês --- como as do salvadorenho --- são justas e
legítimas. Mas as oposições em ambos os países estão agindo como Dom Quixote.
Como o amalucado personagem de Cervantes, combatem apenas com lanças de lata as
poderosas superpotências, que na sua desmedida ambição por poder e riqueza,
transformaram o mundo em "quintais de suas casas". E a humanidade,
por conseqüência, em instrumentos para a consolidação da sua grandeza e
poderio.
(Artigo
publicado na página 2, de Opinião, do Diário do Povo em 13 de março de 1981)
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