Tuesday, November 29, 2016

Quem são os loucos?



Pedro J. Bondaczuk


A classificação para classificar a esquizofrenia, na União Soviética, explica porque tantas pessoas nesse país vão parar em sanatórios psiquiátricos, embora sejam perfeitamente sadias. Daí concluir-se que quem deveria ser internado (se possível manietado por uma camisa-de-força) seria, exatamente, quem a elaborou. Principalmente porque se percebe o motivo que existiu por trás de tamanha elasticidade: manter a elite pensante do país –  capaz de contestar e de denunciar as mazelas dos burocratas do Partido Comunista – permanentemente atemorizada com a possibilidade de ser “sepultada” viva nessas casas, que se assemelham ao Inferno de Dante Aligheri. Só falta a inscrição que o poeta colocou em seu Hades: “Deixai aqui todas as vossas esperanças”.

Aliás, a própria psiquiatria clássica, hoje em dia, é passiva de reproche, pela maneira precipitada com que age em determinados casos, no diagnóstico desse distúrbio mental. Profissionais presos a um dogmatismo rançoso perdem, em determinado momento, até a sensibilidade para distinguir o que, por si só, já é bastante vago: o que é normal e o que é anormal.

O psiquiatra escocês, Ronald David Laing, em entrevista publicada pela revista “Visão”, em 31 de maio de 1978, observou, a esse respeito: “A pessoa que de repente não quer mais corresponder à imagem que a família ou o meio social lhe impingiu, refugia-se no irreal, no imaginário, torna-se um esquizofrênico”.

O meio, portanto, exerce pesada influência nos casos reais da doença. Imagine o leitor quando tais critérios são definidos por cínicos, que pretendem manter um determinado sistema, a todo o custo! Altera-se tudo! O normal recebe o rótulo da anormalidade e vice-versa, confirmando o dito popular que diz que “os loucos são aqueles que permanecem do lado de fora dos hospícios”.

Laing observou que “uma palavra pode matar uma pessoa. Uma simples palavra colocada no lugar certo, no momento certo, pode mudar toda uma vida”. Essa observação encaixa-se, como uma luva, no caso soviético, onde um burocrata ineficiente e parasita pode determinar se alguém estará “morto” para sempre no convívio social, tendo à testa o rótulo de “incapaz mentalmente” ou não.

Se, como afirma o psiquiatra escocês, “sanidade e loucura são estabelecidas pelo grau de dissociação existente entre duas ou mais pessoas”, os criadores dos gulags na União Soviética sempre foram, e sempre serão, uns rematados esquizofrênicos. Afinal, eles é que vivem em um mundo de fantasias e não os sofridos intelectuais soviéticos.

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 12 de novembro de 1987)


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