Feridas na alma
Pedro J. Bondaczuk
“Os
norte-americanos andam cada vez mais solitários”. Esta é a constatação de um
estudo, divulgado há já bom tempo nos Estados Unidos, cuja situação não mudou
(ao contrário, se agravou) e que mereceu matéria, há uns dez anos. da revista
Time (reproduzida pela brasileira Isto É), de autoria do professor Robert
Putnam, da Universidade Harvard, que há tempos se dedicava ao assunto. “E
daí?”, perguntaria o crítico leitor, “a solidão é prerrogativa apenas deles?”.
Claro que não! Mas é de lá que procedeu o estudo que, bem ou mal, quantificou o
número de solitários.
O tema, sem dúvida, é bastante complexo, com inúmeras
facetas e nuanças, com enorme carga de subjetividade. Tanto que já escrevi um
número considerável de crônicas a propósito (que, provavelmente vão resultar em
um livro sobre o assunto) e, ainda assim, há muitos e muitos aspectos a
abordar. Tenho recebido várias sugestões de leitores para comentar esse ou
aquele ângulo da questão, o que amplia, sem dúvida, meu universo de análise.
Uma das formas mais perversas e
comuns de solidão é a incompreensão dos que nos cercam, notadamente na família,
mas que também se verifica no trabalho, na escola, na vida social e nos mais
diversos tipos de relacionamentos do dia-a-dia. Há pais, por exemplo (e alguns
até com excelente nível de instrução) que parecem nutrir ódio mortal pelos
filhos, em especial quando estes são adolescentes. Só têm críticas e
recriminações àqueles que puseram no mundo e por cuja educação, bem-estar e
felicidade são os responsáveis. Nunca tiveram uma palavra (uma única) de
elogio, de estímulo e de incentivo aos seus dependentes.
Criticar determinadas atitudes
dos jovens, quando são, de fato, criticáveis e/ou condenáveis, ressalte-se, é
uma das prerrogativas dos pais. Mais do que isso, é até obrigação deles. Mas há
críticas e críticas. As palavras utilizadas têm que ser muito bem pesadas e
acompanhadas de atitudes que reflitam compreensão e amor. Aquelas inadequadas,
ou ambíguas, ou rancorosas, têm o efeito contrário ao desejado, de correção de rumos.
São cáusticas, contundentes, ferinas. Abrem profundas feridas na alma dos que
as ouvem e que, por questão de respeito, não podem ou não querem retrucar.
Pesa muito, por outro lado, a
forma de dizer as coisas. E o tom de voz. E a fisionomia na hora de falar. E o
momento em que as coisas são ditas. Nada dói mais para qualquer pessoa do que
os pais lhe jogarem na cara, por exemplo, o “sacrifício” que fazem para lhe
proporcionar conforto, proteção e bem-estar (isto quando, de fato,
proporcionam). Críticas desse tipo geram, naquele que é alvo delas, uma
profunda sensação de solidão, de mágoa, de mal-estar. Nestes casos, é comum os
filhos se afastarem, paulatinamente, de casa (que deveria ser um lar, mas que
não é) e procurarem outros ambientes, se expondo a toda a sorte de
más-influências e de riscos.
Conversei com muitos viciados em
drogas e estes, invariavelmente, atribuíram sua queda no vício à incompreensão
com que sempre foram tratados pela família. Claro que muitas vezes as coisas
não são bem assim e que esses adolescentes buscam, apenas, se eximir da própria
culpa, a lançando toda sobre os pais. Afinal, as pessoas fortes são as que
lutam por seus direitos e por sua felicidade e não as que buscam a covarde
fuga, “se escondendo” nas drogas (entre as quais o álcool). Mas em tantos e
tantos e tantos casos essa queixa procede, mesmo que apenas em parte.
Esse mesmo comportamento é,
também, o maior fator de destruição de casamentos. Há cônjuges que parecem só
ver defeitos nos parceiros e nutrirem por eles um profundo rancor, um ódio
patológico e sem limites. São os que se multiplicam em críticas e reprimendas
aos mínimos atos do esposo (ou da esposa). Em pouco, pouquíssimo tempo, o
encantamento inicial, proporcionado pelo relacionamento afetivo, tão sonhado
nos tempos de namoro, vai para o espaço.
Quantas vezes a mulher revela
absoluta incompreensão com as aflições do marido, por exemplo, quando este tem
a desventura de ficar desempregado e tardar para arranjar outro emprego, mesmo
que visivelmente se empenhe muito para isso?! “Não quero um vagabundo em casa”,
não raro é uma das expressões ditas. Ou “Fulano, casado com Sicrana, ganha
muito mais do que você, exercendo a mesma função. Você é um incompetente!”. E
vai por aí afora. São críticas às suas manias, aos seus amigos, ao seu
desmazelo, ao seu tipo de lazer e a tantas e tantas outras coisas.
O marido, em contrapartida,
condena a forma de administração doméstica da esposa. Fala mal, por exemplo, da
comida feita pela mulher, comparando seus dotes culinários (ou falta deles,
para ser mais exato) com os da mãe. Ou joga-lhe na cara que relaxou na
aparência física, ou que ficou gorda, ou que se veste mal, ou que é frígida na
cama, etc. Ou, então, condena o excesso de despesas que ela faz, acusando-a de
perdulária e irresponsável, ou a arrumação da casa, ou a educação dos filhos e
vai por aí afora.
Quando o relacionamento atinge
esse estágio, dificilmente tem salvação. O casal está condenado à inexorável
separação ou a se conformar com a perpétua, opressiva e fatal solidão a dois,
que os deixa amargos, frustrados e infelizes. Em vez de construir o paraíso
que, implicitamente, um prometeu ao outro, transformam o ambiente doméstico em
sucursal do inferno. A incompreensão e, principalmente, as palavras duras, cruéis
e impensadas, abrem profundas feridas na alma dos que são alvos delas, que nada
e ninguém conseguem curar. E esta é uma das formas mais comuns e mais
dolorosas, posto que evitáveis com um pouquinho só de bom-senso, de solidão.
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