Personagem inverossímil
posto que inesquecível
Pedro
J. Bondaczuk
A criação de
personagens é uma das principais tarefas do ficcionista, tão importante quanto
o enredo que o escritor tem em mente e que se propõe a narrar. Afinal, são os
protagonistas que irão “viver” as peripécias imaginadas por ele. Uma das
principais preocupações que o autor de um romance, conto, novela, peça teatral
ou roteiro de cinema tem ao se propor a escrever a história que tem em
mente é tornar essas figuras as mais
verossímeis possíveis, quanto mais próximas da realidade melhor, de sorte a que
possam ser identificadas no cotidiano. Essa é a regra geral (posto que não
escrita). Um herói sem nenhum defeito (físico, mental, psicológico ou
comportamental) certamente seria bastante criticado, pois o ser humano, de
carne e osso (eu, você, seu amigo, seu parente etc.etc.etc.) não somos assim.
No outro extremo, um vilão com tudo o que de ruim se possa imaginar com certeza
será alvo de acerbas críticas, e pelo mesmo motivo anterior. Não vai “colar”.
Nem sempre, todavia,
essa “regra” não escrita é seguida, embora as exceções sejam relativamente
raras. E quando não é, nem sempre choca, agride ou faz de seu criador alvo de
chacota. Muitos personagens de ficção científica, por exemplo, extrapolam esse
padrão. Claro que, neste caso, entra a habilidade descritiva e a capacidade de
convencimento do escritor. Querem um protagonista totalmente inverossímil,
desses que jamais encontraremos em qualquer lugar, que não tenha, sequer, a
mínima característica encontrável em alguma pessoa real? Cito, sem hesitar,
“Esqualidus”, personagem dos estúdios Walt Disney, amigo de Mickey Mouse em
várias aventuras desse ratinho octogenário (em 18 de novembro de 2016
completará 88 anos de criação).
Tenho certeza que, a
esta altura, muito leitor estará me contestando, dizendo que essa figura
caricata que citei “não vale” como exemplo, pois se trata de protagonista de
história em quadrinhos que, na concepção desses contestadores, não é
literatura. Quem foi que disse que não é!!! É sim senhores!!! E das mais
complexas. Exige, do autor, além de todo o talento exigido de um escritor
convencional, a capacidade sobressalente de desenhar bem. Tente, você que
subestima as histórias em quadrinhos, criar alguma delas, mesmo que das mais
imperfeitas ou menos criativas. A menos que se trate de algum talento raro,
ainda não descoberto, duvido que consiga. Não conseguirá! É tarefa para poucos, pouquíssimos, que só
recentemente começou a ser valorizada como “arte maior”. Mas é literatura, sim
senhores!!!
“Esqualidus” é desses
personagens rigorosamente originais, incomparáveis, absolutamente
inverossímeis, porém mais do que fascinantes: marcantes. Pena que os estúdios
Disney o tenham utilizado tão pouco, pelo menos aqui no Brasil. Tomei
conhecimento dele quando tinha de nove para dez anos de idade, em 1952, em uma
série de histórias publicadas na revista “Pato Donald” naquela ocasião. As
pessoas da minha geração, que praticamente aprenderam a ler nas revistas em
quadrinhos, sabem a quem me refiro. Havia, na ocasião, equívoco em torno desse
personagem, engano este que, parece, nunca foi desfeito.
As pessoas acreditavam
– e eu era uma delas – que Esqualidus (que entre outras características, não
tinha sombra) era um extraterrestre. Essas figuras (ou fantasias?) eram muito
explorados na época, mais ainda do que atualmente, por causa do até hoje
controvertido incidente de Roswell, que havia ocorrido cinco anos antes, em
1947 (ano, por sinal, em que esta figura surgiu nos Estados Unidos,
inicialmente em tiras de jornais). Todavia, não se tratava de um ET. Era,
conforme explicou seu criador, o quadrinista dos estúdios Walt Disney, Floyd
Gottfredson, um ser humano do futuro. Procedia, porém, do centro da Terra.
Tanto que uma das suas principais características era a capacidade de viajar no
tempo. Outra coisa que chamava a atenção era que Esqualidus se comunicava
usando a “língua do p”, tão utilizada, até hoje, nas brincadeiras infantis.
Trajava um saiote que podia armazenar qualquer coisa, não importando o tamanho.
Ademais, aquele homenzinho do futuro tinha absoluta alergia (vejam só!) a
dinheiro!!!
Acompanhei-o em pelo
menos 200 histórias em que o personagem apareceu, nos anos 50 do século XX,
aqui no Brasil. Fiquei sabendo que Esqualidus “voltou” na década de 70, mas, na
oportunidade, já jornalista e com meu tempo todo preenchido por tarefas da
minha espinhosa profissão, eu não tive a oportunidade de acompanhar,
pessoalmente, esse retorno. Uma pena! Esqualidus foi um personagem que, por sua
originalidade, me marcou profundamente. Se no Brasil ele saiu de cena, na
Itália segue sendo utilizado e, por lá, é muito popular. Pudera! O nome
completo de Esquálidus foi outra coisa que nunca me saiu da memória, embora
jamais eu tenha conseguido declinar. Era Pittisborum Psercy Pystachi Pseter
Psersimmon Plummer-Pusch. Ufa! É um trava-língua a desafiar quem quer que seja.
Tente repeti-lo, mas de memória, sem ler, paciente leitor. É um belo exercício
de dicção, sem dúvida. Mickey, ao saber como o homenzinho se chamava, decidiu,
prático como é, chamá-lo simplesmente de “Eega Beeva”.
Esquálidus ficou
conhecido em muitas línguas por nomes característicos em cada país. Consegui
descobrir os seguintes: Dinamarquês
(Alfa Beta), Espanhol (Bip-Bip, Escuálido), Finlandês
(EkaVekara), Francês (Iga Biva), Grego (Ήτα Βήτα), Holandês (Ega Beva),
Indonésio (Eega Beeva), Inglês (Eega Beeva), Islandês (Ígir Bývi), Italiano
(Eta Beta), Norueguês (Eta Beta)
,Polonês (Ele-Mele) e Sueco (Eta Beta). Há muita coisa mais a ser dita sobre
esse fascinante personagem e, portanto, comprometo-me solenemente a voltar a
abordar o assunto.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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