Saturday, November 05, 2016

Personagem inverossímil posto que inesquecível


Pedro J. Bondaczuk

A criação de personagens é uma das principais tarefas do ficcionista, tão importante quanto o enredo que o escritor tem em mente e que se propõe a narrar. Afinal, são os protagonistas que irão “viver” as peripécias imaginadas por ele. Uma das principais preocupações que o autor de um romance, conto, novela, peça teatral ou roteiro de cinema tem ao se propor a escrever a história que tem em mente  é tornar essas figuras as mais verossímeis possíveis, quanto mais próximas da realidade melhor, de sorte a que possam ser identificadas no cotidiano. Essa é a regra geral (posto que não escrita). Um herói sem nenhum defeito (físico, mental, psicológico ou comportamental) certamente seria bastante criticado, pois o ser humano, de carne e osso (eu, você, seu amigo, seu parente etc.etc.etc.) não somos assim. No outro extremo, um vilão com tudo o que de ruim se possa imaginar com certeza será alvo de acerbas críticas, e pelo mesmo motivo anterior. Não vai “colar”.

Nem sempre, todavia, essa “regra” não escrita é seguida, embora as exceções sejam relativamente raras. E quando não é, nem sempre choca, agride ou faz de seu criador alvo de chacota. Muitos personagens de ficção científica, por exemplo, extrapolam esse padrão. Claro que, neste caso, entra a habilidade descritiva e a capacidade de convencimento do escritor. Querem um protagonista totalmente inverossímil, desses que jamais encontraremos em qualquer lugar, que não tenha, sequer, a mínima característica encontrável em alguma pessoa real? Cito, sem hesitar, “Esqualidus”, personagem dos estúdios Walt Disney, amigo de Mickey Mouse em várias aventuras desse ratinho octogenário (em 18 de novembro de 2016 completará 88 anos de criação).

Tenho certeza que, a esta altura, muito leitor estará me contestando, dizendo que essa figura caricata que citei “não vale” como exemplo, pois se trata de protagonista de história em quadrinhos que, na concepção desses contestadores, não é literatura. Quem foi que disse que não é!!! É sim senhores!!! E das mais complexas. Exige, do autor, além de todo o talento exigido de um escritor convencional, a capacidade sobressalente de desenhar bem. Tente, você que subestima as histórias em quadrinhos, criar alguma delas, mesmo que das mais imperfeitas ou menos criativas. A menos que se trate de algum talento raro, ainda não descoberto, duvido que consiga. Não conseguirá!  É tarefa para poucos, pouquíssimos, que só recentemente começou a ser valorizada como “arte maior”. Mas é literatura, sim senhores!!!

“Esqualidus” é desses personagens rigorosamente originais, incomparáveis, absolutamente inverossímeis, porém mais do que fascinantes: marcantes. Pena que os estúdios Disney o tenham utilizado tão pouco, pelo menos aqui no Brasil. Tomei conhecimento dele quando tinha de nove para dez anos de idade, em 1952, em uma série de histórias publicadas na revista “Pato Donald” naquela ocasião. As pessoas da minha geração, que praticamente aprenderam a ler nas revistas em quadrinhos, sabem a quem me refiro. Havia, na ocasião, equívoco em torno desse personagem, engano este que, parece, nunca foi desfeito.

As pessoas acreditavam – e eu era uma delas – que Esqualidus (que entre outras características, não tinha sombra) era um extraterrestre. Essas figuras (ou fantasias?) eram muito explorados na época, mais ainda do que atualmente, por causa do até hoje controvertido incidente de Roswell, que havia ocorrido cinco anos antes, em 1947 (ano, por sinal, em que esta figura surgiu nos Estados Unidos, inicialmente em tiras de jornais). Todavia, não se tratava de um ET. Era, conforme explicou seu criador, o quadrinista dos estúdios Walt Disney, Floyd Gottfredson, um ser humano do futuro. Procedia, porém, do centro da Terra. Tanto que uma das suas principais características era a capacidade de viajar no tempo. Outra coisa que chamava a atenção era que Esqualidus se comunicava usando a “língua do p”, tão utilizada, até hoje, nas brincadeiras infantis. Trajava um saiote que podia armazenar qualquer coisa, não importando o tamanho. Ademais, aquele homenzinho do futuro tinha absoluta alergia (vejam só!) a dinheiro!!!

Acompanhei-o em pelo menos 200 histórias em que o personagem apareceu, nos anos 50 do século XX, aqui no Brasil. Fiquei sabendo que Esqualidus “voltou” na década de 70, mas, na oportunidade, já jornalista e com meu tempo todo preenchido por tarefas da minha espinhosa profissão, eu não tive a oportunidade de acompanhar, pessoalmente, esse retorno. Uma pena! Esqualidus foi um personagem que, por sua originalidade, me marcou profundamente. Se no Brasil ele saiu de cena, na Itália segue sendo utilizado e, por lá, é muito popular. Pudera! O nome completo de Esquálidus foi outra coisa que nunca me saiu da memória, embora jamais eu tenha conseguido declinar. Era Pittisborum Psercy Pystachi Pseter Psersimmon Plummer-Pusch. Ufa! É um trava-língua a desafiar quem quer que seja. Tente repeti-lo, mas de memória, sem ler, paciente leitor. É um belo exercício de dicção, sem dúvida. Mickey, ao saber como o homenzinho se chamava, decidiu, prático como é, chamá-lo simplesmente de “Eega Beeva”.

Esquálidus ficou conhecido em muitas línguas por nomes característicos em cada país. Consegui descobrir os seguintes:        Dinamarquês (Alfa Beta), Espanhol (Bip-Bip, Escuálido), Finlandês (EkaVekara), Francês (Iga Biva), Grego (Ήτα Βήτα), Holandês (Ega Beva), Indonésio (Eega Beeva), Inglês (Eega Beeva), Islandês (Ígir Bývi), Italiano (Eta Beta),     Norueguês (Eta Beta) ,Polonês (Ele-Mele) e Sueco (Eta Beta). Há muita coisa mais a ser dita sobre esse fascinante personagem e, portanto, comprometo-me solenemente a voltar a abordar o assunto. 
              

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk 

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