Delírio ou frustração
Pedro
J. Bondaczuk
O ato de escrever,
notadamente para os profissionais do texto (escritores, jornalistas etc.), pode
se constituir numa fonte inesgotável de satisfações, de delírio até, ou em
gerador de grandes sofrimentos, por causa da frustração de não poder produzir o
que se tinha em mente, por uma série de fatores, que não vem ao caso. É até
desnecessário enfatizar a responsabilidade que o redator tem, tão óbvia ela é.
A palavra escrita tem
possibilidades reais de influenciar pessoas tanto para o bem – ensinando,
orientando e consolando – quanto para o mal – trazendo desencanto, pessimismo e
ceticismo – e por várias gerações, muito
além do seu tempo de produção. Depende, claro, do que trata e de como o texto é
escrito. Conta com a possibilidade da permanência, ao contrário daquilo que se
diz, que, como afirma o povão, “entra por um ouvido, sai por outro” e se perde
no ar (mas nem sempre, claro).
Passado todo um
milênio, por exemplo, aquilo que se escreveu (dependendo da sua natureza), pode
ainda produzir efeitos, benéficos ou maléficos, numa quantidade às vezes muito
grande de pessoas. Além do mais, o escritor – assim como o jornalista – depende
de quem o lê para ser bem-sucedido (ou fracassado). E nem sempre o leitor tem
critério (ou cultura, ou visão) suficiente para fazer justiça ao redator.
Como editor, com
décadas de atividade, caíram-me nas mãos, até com uma certa freqüência,
diversos textos muito bons, não raro acima da média, alguns até geniais, que
por uma razão ou outra, nunca conseguiram “decolar”. Por isso, foram ignorados
e esquecidos pelos leitores, para profunda frustração dos seus autores.
Há livros excelentes,
tanto do ponto de vista temático, quanto do formal, muito bem escritos, mas que
findam por criar poeira nas prateleiras das livrarias – para desespero dos que
os editam e, principalmente, dos que os comercializam – por falta de quem se
interesse por eles. Ocorre que, na maioria das vezes, lhes faltam alguns
ingredientes essenciais para agradar: os da emoção, da cumplicidade e da
empatia, entre outros. São textos que soam falsos, artificiosos e
inverossímeis. São bem elaborados, é verdade, têm estilo marcante, mas carecem
de entusiasmo.
Às vezes são até belas
“esculturas” com palavras, mas não como a estátua de Moisés, de Michelangelo,
por exemplo. Seus autores não ousariam exclamar, diante da obra acabada, como o
escultor diante da sua escultura: “Parla, Moses!”. O escritor, quando
transcreve suas idéias em textos, precisa pôr junto, no papel (ou, como ocorre
hoje, na telinha do computador), o máximo de si.
Não se admite a
auto-indulgência e nem que ele tente apresentar, no que escreve, apenas
aspectos positivos, favoráveis e/ou elogiosos da sua personalidade. Isso soa
falso e espanta leitores. Tem, isto sim, que se despir (espiritualmente, claro)
em público. Precisa “ficar nu” perante o mundo, sem qualquer escrúpulo ou
pudor.
O romancista argentino
José Bianco, pouco conhecido no Brasil, mas popular em seu país, afirmou, certa
ocasião, em entrevista: “Eu acredito que o entusiasmo intelectual, quando é
legítimo, mais propriamente nos leva a lutar com o que amamos, para que
sobreviva dentro de nós. Quer dizer, dentro da nossa própria obra. Se o
material é nobre, responde a nossas provocações. Ao menor choque, ressoa por
muito tempo”.
Nosso entusiasmo, no
entanto, não deve nos tornar alienados. Devemos ter consciência das nossas
vulnerabilidades e procurar corrigi-las, com empenho, dedicação e
autodisciplina. Mesmo que sejamos bem-sucedidos, jamais pode passar por nossa
cabeça a idéia de que somos perfeitos, auto-suficientes, em suma, os melhores
do mundo. Nunca somos e jamais seremos. E muito menos podemos nos colocar na
posição de “centros do universo”, a contemplar e adorar o próprio umbigo. Se
incorrermos nesse erro, de nada valerá nosso talento. Jamais conheceremos o
delírio do verdadeiro sucesso, mas teremos, isto sim, que conviver com a agonia
da frustração. Equilíbrio e realismo são as palavras-chaves para a obtenção (e,
principalmente, manutenção) do êxito com o qual tanto sonhamos e nos empenhamos
em obter.
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