Trabalho precoce
Pedro J. Bondaczuk
As
estatísticas, na frieza dos números que apresentam, nem sempre levam as pessoas
a refletir em seu real significado. Por exemplo, um recente estudo divulgado
pelo IBGE deu conta de que mais de 30% das crianças brasileiras, na faixa dos
dez aos 17 anos, trabalham, enquanto deveriam estudar.
Há,
certamente, os que dirão que isso se trata de algo positivo e até desejável, já
que o trabalho enobrece e quanto mais cedo se começar, maiores chances se terá
de fazer o que seja útil, construtivo e permanente. Mas a coisa não é bem
assim.
Como
já dizia Eclesiastes, "há tempo certo para tudo". É a miséria que
está ditando o futuro desses menores, fadados a exercer tarefas secundárias,
mal remuneradas e que num prazo não muito distante, serão substituídas,
inclusive, por robôs, por serem insalubres e perigosas, dada a sua falta de
preparo.
Tratam-se
de 7,44 milhões de meninos e meninas que entram no jogo da vida com cartas
marcadas. Que por absoluta carência de suas famílias, são forçados a batalhar
por nada mais do que a simples sobrevivência física, sem qualquer chance de
realização pessoal enquanto seres humanos, destinados a uma existência
carregada de frustrações, rancores e mágoas.
O
estudo do IBGE aponta claramente que os menores são obrigados a trabalhar
porque vivem em famílias com renda mensal inferior a dois salários mínimos. Ou
seja, são vítimas de planos mirabolantes de tecnocratas que ao longo de nossa
história só conseguiram nos enredar em dívidas, num processo maquiavélico de
concentração de renda e na antidemocracia.
É
voz corrente por aí que a miséria é assunto predileto dos intelectuais, que
nada sugerem para pôr fim a ela. Mas seria realmente assim? As soluções, se não
são mencionadas, é porque são claras demais, óbvias demais, simples demais para
serem postas em prática. Que se tenha uma visão profunda, um sentido aguçado de
nacionalidade.
O
presidente Fernando Collor, ao conceder, durante a semana, uma entrevista em
Tóquio, colocou o dedo nessa ferida. Falou da necessidade daqueles que somente
pensam em seus próprios bolsos, resgatarem o real sentido do patriotismo.
Parte
da culpa desse quadro desolador, do fato de 14% das crianças em idade escolar,
3,6 milhões delas, estarem fora das escolas, cabe à sociedade, que aceitou e
até incentivou ditaduras no País. Porque, como observou o pensador Reinhold
Niebuhr, "a capacidade de justiça do homem torna a democracia possível,
mas a inclinação do homem para a injustiça torna a democracia necessária".
Depois ainda há quem pergunte por que os Estados Unidos são tão ricos e
poderosos?!!
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 17 de novembro de 1990).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment