Volátil
e efêmera
Pedro J. Bondaczuk
A
fama é o grande sonho da imensa maioria das pessoas mundo afora. Claro que elas
entendem como implícito o fato de, ao se tornarem famosas, terão acesso,
também, à fortuna. Nem sempre (eu diria, quase nunca) isso acontece. Mas no
imaginário popular, isto são “favas contadas”. Dia desses, partilhei essa
reflexão no Facebook. O curioso é que sempre que toco no assunto, numa roda de
amigos, todos negam essa pretensão, que considero legítima, desde que não se
descambe para exageros. E exagerados, nesse aspecto e em tantos outros, há em
profusão, tempo e mundo afora. Ademais, podemos nos tornar famosos tanto por
aspectos positivos de nossa conduta e de nossos feitos, quanto pelos negativos.
São
inúmeros os casos de bandidos perversos e sanguinários, cuja simples menção do
nome nos cause arrepios, gozarem de fama justamente por causa dessa
perversidade. Desconfio que estes adquirem renome com maior facilidade e o
mantêm por mais tempo, do que os nobres, os solidários, os geniais e os probos,
paradigmas de boa conduta, que deveriam ser imitados, mas nem sempre são. Por
que? Só posso especular a propósito. Resposta minimamente lógica a propósito eu
não tenho. Creio que ninguém a tenha. A fama, no aspecto positivo, tende a ser
efêmera e sumamente volátil. Raramente é duradoura. Para sermos famosos, claro,
dependemos da memória alheia. E que, de alguma forma, os feitos que a
justifiquem sejam registrados (ou em livros, ou em reportagens ou por outro
meio qualquer) e transmitidos de uma geração a outra. Raramente isso acontece.
Além
disso, a prática de atos inusitados, e de obras excepcionais, que justifiquem a
fama que eventualmente venhamos a conquistar, depende, sempre, de terceiros.
Aliás, praticamente tudo na vida depende. “Sozinhos não somos ninguéns”, já
dizia Pelé, na letra de uma de suas composições musicais. Isso é o óbvio do
óbvio, mas nem sempre admitimos e compreendemos. José Saramago escreveu a
respeito: “A vida, que parece uma linha reta, não o é. Construímos a nossa vida
só nuns cinco por cento, o resto é feito pelos outros, porque vivemos com os
outros e às vezes contra os outros”. Os atos e obras que possam nos tornar
famosos têm que beneficiar alguém e, quanto mais pessoas forem beneficiadas,
melhor. Têm que ser testemunhadas, para que se tornem de conhecimento público.
Necessitam de reconhecimento e de
gratidão dos que foram favorecidos e, sobretudo, de divulgação. E, ainda
assim...
Neste
Brasil de dimensões continentais, de tantos e tamanhos contrastes, é raro, por
exemplo, o menino pobre da periferia que não sonhe em ser, um dia, jogador de
futebol com prestígio internacional, de jogar num Barcelona, ou Real Madrid ou
Bayern de Munique, de ter muita fama e a riqueza que essa condição lhe possa
trazer. E não são apenas os pobres, os humildes, os ofendidos e humilhados que
acalentam esse sonho. Há milhões de Neymares, de Ronaldinhos Fenômenos, de
Romários e de outros tantos “craques” em potencial, perdidos por este Brasil
afora, à espera de serem reconhecidos e recompensados. A imensa maioria verá
esse sonho minguar e desaparecer de vez, diante da dura realidade da vida.
Talvez (e notem bem, apenas “talvez”) um ou outro atinja o estrelato e se
consagre. E nada garante que a fama que eventualmente conquistar venha a ser
duradoura ou acompanhada de fortuna.
Já
as meninas também sonham em ser famosas. E embora o futebol feminino esteja
ganhando algum espaço na mídia, raras almejam ser uma nova Marta, por exemplo.
Elas querem, na maioria, ser bem sucedidas modelos, ou badaladas atrizes, ou
magníficas cantoras, de grande talento e projeção ou coisa parecida.
Infelizmente, poucos e poucas sonham em serem cientistas, ou escritores ou
mesmo filósofos e muito menos professores. Pudera! Ademais, praticamente
ninguém se lembra do lado negativo da fama, e muito menos do duríssimo momento
em que ela se dissipa. E raramente, ela deixa de se dissipar. Em alguns casos,
dura um pouco mais. Raramente, porém, se estende por mais do que uma geração.
Poucas
pessoas se lembram, hoje, por exemplo, de jogadores de futebol do porte de um
Feitiço, de um Arakem Patuska ou de um Arthur Friedrich. Ou, para não irmos tão
longe, de um Ademir de Menezes, ou Zizinho ou Jair da Rosa Pinto. No entanto,
ainda recentemente, esses craques eram paradigmas, eram referenciais, eram
modelos de inúmeros adolescentes que se espelhavam neles e aspiravam alcançar o
status que eles alcançaram. A pensadora
Hannah Arendt observou, a propósito, em um de seus tantos textos: “Nada mais
efêmero em nosso mundo, nada de mais precário que esta forma de conquista
conferida pelo renome. Nada ocorre com tanta rapidez e facilidade do que o
esquecimento”. E quando este sobrevém, e dificilmente deixa de sobrevir,
raríssimos estão preparados espiritualmente, se é que exista alguém com tal
preparo, para conviver com essa situação que quase nunca deixa de ocorrer.
.
O
escritor norte-americano Ernest Hemmingway, que parece ter sua fama consolidada
pelo Prêmio Nobel de Literatura que ganhou (mas... nunca se sabe), desabafou em
certa ocasião: “É sempre assim. Morre-se. Não se compreende nada. Nunca se tem
tempo de aprender. Envolvem-nos no jogo. Ensinam-nos as regras e à primeira
falta, matam-nos”. E ele estava errado em suas amargas conclusões? Responda,
você mesmo, amável e atento leitor. Da minha parte, sou forçado a concordar com
ele.
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