Sunday, November 02, 2014

Volátil e efêmera

Pedro J. Bondaczuk

A fama é o grande sonho da imensa maioria das pessoas mundo afora. Claro que elas entendem como implícito o fato de, ao se tornarem famosas, terão acesso, também, à fortuna. Nem sempre (eu diria, quase nunca) isso acontece. Mas no imaginário popular, isto são “favas contadas”. Dia desses, partilhei essa reflexão no Facebook. O curioso é que sempre que toco no assunto, numa roda de amigos, todos negam essa pretensão, que considero legítima, desde que não se descambe para exageros. E exagerados, nesse aspecto e em tantos outros, há em profusão, tempo e mundo afora. Ademais, podemos nos tornar famosos tanto por aspectos positivos de nossa conduta e de nossos feitos, quanto pelos negativos.

São inúmeros os casos de bandidos perversos e sanguinários, cuja simples menção do nome nos cause arrepios, gozarem de fama justamente por causa dessa perversidade. Desconfio que estes adquirem renome com maior facilidade e o mantêm por mais tempo, do que os nobres, os solidários, os geniais e os probos, paradigmas de boa conduta, que deveriam ser imitados, mas nem sempre são. Por que? Só posso especular a propósito. Resposta minimamente lógica a propósito eu não tenho. Creio que ninguém a tenha. A fama, no aspecto positivo, tende a ser efêmera e sumamente volátil. Raramente é duradoura. Para sermos famosos, claro, dependemos da memória alheia. E que, de alguma forma, os feitos que a justifiquem sejam registrados (ou em livros, ou em reportagens ou por outro meio qualquer) e transmitidos de uma geração a outra. Raramente isso acontece.

Além disso, a prática de atos inusitados, e de obras excepcionais, que justifiquem a fama que eventualmente venhamos a conquistar, depende, sempre, de terceiros. Aliás, praticamente tudo na vida depende. “Sozinhos não somos ninguéns”, já dizia Pelé, na letra de uma de suas composições musicais. Isso é o óbvio do óbvio, mas nem sempre admitimos e compreendemos. José Saramago escreveu a respeito: “A vida, que parece uma linha reta, não o é. Construímos a nossa vida só nuns cinco por cento, o resto é feito pelos outros, porque vivemos com os outros e às vezes contra os outros”. Os atos e obras que possam nos tornar famosos têm que beneficiar alguém e, quanto mais pessoas forem beneficiadas, melhor. Têm que ser testemunhadas, para que se tornem de conhecimento público. Necessitam de reconhecimento  e de gratidão dos que foram favorecidos e, sobretudo, de divulgação. E, ainda assim...

Neste Brasil de dimensões continentais, de tantos e tamanhos contrastes, é raro, por exemplo, o menino pobre da periferia que não sonhe em ser, um dia, jogador de futebol com prestígio internacional, de jogar num Barcelona, ou Real Madrid ou Bayern de Munique, de ter muita fama e a riqueza que essa condição lhe possa trazer. E não são apenas os pobres, os humildes, os ofendidos e humilhados que acalentam esse sonho. Há milhões de Neymares, de Ronaldinhos Fenômenos, de Romários e de outros tantos “craques” em potencial, perdidos por este Brasil afora, à espera de serem reconhecidos e recompensados. A imensa maioria verá esse sonho minguar e desaparecer de vez, diante da dura realidade da vida. Talvez (e notem bem, apenas “talvez”) um ou outro atinja o estrelato e se consagre. E nada garante que a fama que eventualmente conquistar venha a ser duradoura ou acompanhada de fortuna.

Já as meninas também sonham em ser famosas. E embora o futebol feminino esteja ganhando algum espaço na mídia, raras almejam ser uma nova Marta, por exemplo. Elas querem, na maioria, ser bem sucedidas modelos, ou badaladas atrizes, ou magníficas cantoras, de grande talento e projeção ou coisa parecida. Infelizmente, poucos e poucas sonham em serem cientistas, ou escritores ou mesmo filósofos e muito menos professores. Pudera! Ademais, praticamente ninguém se lembra do lado negativo da fama, e muito menos do duríssimo momento em que ela se dissipa. E raramente, ela deixa de se dissipar. Em alguns casos, dura um pouco mais. Raramente, porém, se estende por mais do que uma geração.

Poucas pessoas se lembram, hoje, por exemplo, de jogadores de futebol do porte de um Feitiço, de um Arakem Patuska ou de um Arthur Friedrich. Ou, para não irmos tão longe, de um Ademir de Menezes, ou Zizinho ou Jair da Rosa Pinto. No entanto, ainda recentemente, esses craques eram paradigmas, eram referenciais, eram modelos de inúmeros adolescentes que se espelhavam neles e aspiravam alcançar o status que eles alcançaram.   A pensadora Hannah Arendt observou, a propósito, em um de seus tantos textos: “Nada mais efêmero em nosso mundo, nada de mais precário que esta forma de conquista conferida pelo renome. Nada ocorre com tanta rapidez e facilidade do que o esquecimento”. E quando este sobrevém, e dificilmente deixa de sobrevir, raríssimos estão preparados espiritualmente, se é que exista alguém com tal preparo, para conviver com essa situação que quase nunca deixa de ocorrer.
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O escritor norte-americano Ernest Hemmingway, que parece ter sua fama consolidada pelo Prêmio Nobel de Literatura que ganhou (mas... nunca se sabe), desabafou em certa ocasião: “É sempre assim. Morre-se. Não se compreende nada. Nunca se tem tempo de aprender. Envolvem-nos no jogo. Ensinam-nos as regras e à primeira falta, matam-nos”. E ele estava errado em suas amargas conclusões? Responda, você mesmo, amável e atento leitor. Da minha parte, sou forçado a concordar com ele.


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