Wednesday, November 05, 2014

Gigantes sem muito juízo



Pedro J. Bondaczuk


A União Soviética voltou à carga, ontem, em sua guerra de expulsões com os Estados Unidos, ordenando a saída do país de mais 5 diplomatas norte-americanos, em represália a igual atitude tomada pela Casa Branca, anteontem, quando exigiu que 55 russos voltassem, contra sua vontade, para casa.

Esse tira-teima todo começou antes ainda da solução do “affaire” Daniloff-Zakharov, que por pouco não arruína a reunião de cúpula informal de Reykjavik. O princípio de tudo foi a exigência da administração Reagan para que o Cremlin reduzisse a sua representação diplomática junto à Organização das Nações Unidas. Para “ajudar” Moscou nessa tarefa, os Estados Unidos deram um prazo para que 25 servidores russos na ONU voltassem para o seu país.

A União Soviética demorou para dar uma resposta. Esta veio, finalmente, no domingo, quando os cinco norte-americanos foram expulsos, dando início à sucessão de represálias e contra-represálias, que ninguém sabe onde e quando irá parar.

Portanto, o relacionamento entre as superpotências continua, em linhas gerais, da mesma forma de sempre. Ou seja, caracterizado por desconfianças recíprocas e por avanços e recuos sucessivos, muito mais estes do que aqueles.

Nos últimos dois anos, pelo menos oito incidentes de gravidade média antagonizaram os dois países. Houve de tudo. Desde a morte de um adido militar norte-americano na Alemanha Oriental, em 1985, até a recente prisão do físico Gennady Zakharov, em Nova York, seguida de igual medida em relação ao correspondente da revista “U. S. News and World Report” em Moscou, Nicholas Daniloff.

Tais episódios foram entremeados por deserções, contra-deserções, acusações de seqüestro de um agente da KGB contra a CIA e outras tantas picuinhas que, de tão ridículas, nem mesmo compete ao crítico enumerar ou repetir.

Esse antagonismo, que salta à vista e se manifesta nas mínimas relações, de qualquer natureza, entre Washington e Moscou, é que se confi8gura no principal obstáculo para alguma espécie de acordo entre as superpotências. A verdade é que uma teme e desconfia da outra quase que patologicamente.

É como o escritor Erich Fromm constatou em seu livro “A Revolução da Esperança”, o que impede a existência de um clima favorável a uma autêntica distensão entre os dois grandes blocos ideológicos são os estereótipos que um criou para rotular o outro.

Para que haja um desarmamento nuclear é necessário que antes os espíritos sejam desarmados. E a guerra das expulsões que se está verificando mostra que isso está a mil anos-luz de acontecer. É evidente que essa rusga atual uma hora irá parar. Mas, certamente, deixará alguns arranhões a mais no relacionamento de União Soviética e Estados Unidos, que nunca, desde o término da Segunda Guerra Mundial, foi de moldes a merecer a classificação de diplomático. Ao contrário, em múltiplas oportunidades o mundo escapou do impensável holocausto nuclear por questão até de segundos. Até quando a comunidade internacional terá que ficar à mercê dos humores, das neuroses e dos estereótipos desses dois gigantes sem muito juízo?

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 23 de outubro de 1986)


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