Gigantes
sem muito juízo
Pedro J. Bondaczuk
A União Soviética voltou à carga, ontem, em sua
guerra de expulsões com os Estados Unidos, ordenando a saída do país de mais 5
diplomatas norte-americanos, em represália a igual atitude tomada pela Casa
Branca, anteontem, quando exigiu que 55 russos voltassem, contra sua vontade,
para casa.
Esse tira-teima todo começou antes ainda da solução
do “affaire” Daniloff-Zakharov, que por pouco não arruína a reunião de cúpula
informal de Reykjavik. O princípio de tudo foi a exigência da administração
Reagan para que o Cremlin reduzisse a sua representação diplomática junto à
Organização das Nações Unidas. Para “ajudar” Moscou nessa tarefa, os Estados
Unidos deram um prazo para que 25 servidores russos na ONU voltassem para o seu
país.
A União Soviética demorou para dar uma resposta.
Esta veio, finalmente, no domingo, quando os cinco norte-americanos foram
expulsos, dando início à sucessão de represálias e contra-represálias, que
ninguém sabe onde e quando irá parar.
Portanto, o relacionamento entre as superpotências
continua, em linhas gerais, da mesma forma de sempre. Ou seja, caracterizado
por desconfianças recíprocas e por avanços e recuos sucessivos, muito mais
estes do que aqueles.
Nos últimos dois anos, pelo menos oito incidentes de
gravidade média antagonizaram os dois países. Houve de tudo. Desde a morte de
um adido militar norte-americano na Alemanha Oriental, em 1985, até a recente
prisão do físico Gennady Zakharov, em Nova York, seguida de igual medida em relação
ao correspondente da revista “U. S. News and World Report” em Moscou, Nicholas
Daniloff.
Tais episódios foram entremeados por deserções,
contra-deserções, acusações de seqüestro de um agente da KGB contra a CIA e
outras tantas picuinhas que, de tão ridículas, nem mesmo compete ao crítico
enumerar ou repetir.
Esse antagonismo, que salta à vista e se manifesta
nas mínimas relações, de qualquer natureza, entre Washington e Moscou, é que se
confi8gura no principal obstáculo para alguma espécie de acordo entre as
superpotências. A verdade é que uma teme e desconfia da outra quase que
patologicamente.
É como o escritor Erich Fromm constatou em seu livro
“A Revolução da Esperança”, o que impede a existência de um clima favorável a
uma autêntica distensão entre os dois grandes blocos ideológicos são os
estereótipos que um criou para rotular o outro.
Para que haja um desarmamento nuclear é necessário
que antes os espíritos sejam desarmados. E a guerra das expulsões que se está
verificando mostra que isso está a mil anos-luz de acontecer. É evidente que
essa rusga atual uma hora irá parar. Mas, certamente, deixará alguns arranhões
a mais no relacionamento de União Soviética e Estados Unidos, que nunca, desde
o término da Segunda Guerra Mundial, foi de moldes a merecer a classificação de
diplomático. Ao contrário, em múltiplas oportunidades o mundo escapou do
impensável holocausto nuclear por questão até de segundos. Até quando a
comunidade internacional terá que ficar à mercê dos humores, das neuroses e dos
estereótipos desses dois gigantes sem muito juízo?
(Artigo publicado na página 14, Internacional, do
Correio Popular, em 23 de outubro de 1986)
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