Democracia e liberdade de imprensa
Pedro
J. Bondaczuk
O grau de democracia de
qualquer sociedade mede-se pela liberdade da sua imprensa. Não é por acaso que,
quando ocorrem golpes de Estado, os primeiros locais a serem ocupados pelos
asseclas dos golpistas são as emissoras de rádio e de televisão e as redações
de jornais. Mesmo nas mais férreas ditaduras, no entanto, profissionais hábeis,
pondo em risco as próprias vidas, encontram maneiras de fazer chegar ao público
a verdade (caso dos jornais mimeografados que circulavam na antiga União
Soviética, nos tempos mais duros de repressão de Josep Stalin ou de Leonid
Brezhnev). Acham brechas para expressar, com a maior fidelidade possível, a
realidade dos fatos. Conseguem, de uma forma ou de outra, enviar mensagens de
esperança e de liberdade ao mundo, a despeito dos riscos.
Prisões andam repletas
de cidadãos, cujo único "crime" é o de pensar de forma diferente dos
poderosos de plantão. Como se os tais tiranos que os encarceram, torturam e
matam, fossem deuses, com os dons da onisciência e da eternidade, quando não passam,
tecnicamente, de "assassinos", travestidos de líderes políticos.
Mas é confortador saber
que existem organizações (como a Anistia Internacional, entre outras) que
lutam, incansavelmente, por esses direitos, que um dia haverão de ser
respeitados por todos (pelo menos é a esperança que nos resta). É muito bom,
por outro lado, constatar que a juventude é clarividente para distinguir o
herói do vilão, o justo do injusto, o certo do errado. São esses grupos e
pessoas as grandes salvaguardas da sobrevivência humana. É a pressão que eles
(ainda) exercem que induz os líderes mundiais ao realismo e impede que, num
assomo de fúria cega e de extrema irracionalidade, destruam o mundo, com o
simples comprimir de botões, sepultando todos os nossos sonhos, lembranças e
realizações.
Enquanto houver gente
como Taras Protsyuk, como José Couso, como Tareq Ayoub (e como milhares e
milhares de outros jornalistas espalhados pelo mundo), teremos sempre a
garantia de que a tocha da liberdade jamais virá a ser apagada em definitivo. O
que já é, inegavelmente, uma tranqüilidade...Esses profissionais constituem-se
em “mártires da notícia”, que engrandecem e honram o verdadeiro jornalismo, sem
peias e sem meias-verdades, e que merecem, sem dúvida, o nosso respeito, a
nossa reverência e a nossa eterna gratidão. Por isso, eu não poderia omitir,
nestas considerações, sua abnegada atuação, com o sacrifício da própria vida.
O jornalismo, para
aqueles que têm absoluta certeza de que são dotados dessa vocação é, acima de
tudo, sacerdócio. Portanto, é muito mais do que mera profissão, do que apenas
fonte de recursos materiais para o seu sustento e o da família. É fruto do
talento. É missão de vida. Deve ser sempre exercido com absoluta
responsabilidade, máxima competência, garra, e, sobretudo, paixão.
O jornalista – quer
seja veterano, quer esteja em vias de assumir seu primeiro posto na carreira –
precisa, a todo e qualquer instante, ter em mente as necessidades e desejos do
alvo do seu trabalho: o destinatário das notícias que colhe e transmite, no
caso o leitor (quando a mídia em que se atua é jornal ou revista), o ouvinte ou
o telespectador. O público é seu verdadeiro "patrão", não aquele que
o emprega. É com ele que o profissional do jornalismo assume um implícito e
sagrado compromisso de honra.
O ensaísta Ernest Renan
afirma que "o sinal da verdadeira vocação é a impossibilidade de desertar
dela". E essa "fuga" é impossível mesmo. O jornalista
vocacionado não consegue escapar do seu destino. Mesmo quando afastado, por
qualquer razão, da atividade, age como se estivesse nessa missão. Organiza
arquivos, cultiva fontes, lê todos os jornais e revistas que lhe caem nas mãos,
aperfeiçoa o uso da linguagem para tornar seu texto sempre correto, simples,
claro, limpo e acessível a todo o tipo de leitor e se mantém informado sobre o
que se passa na sua cidade, no seu Estado, no seu país e no mundo. O jornalismo está no seu sangue! Gosta dele!
Não é um trabalho, mas algo prazeroso e
bom.
Quem tem paixão pela
profissão, (e os jornalistas a que me refiro têm), está ciente do que é
indispensável para o seu exercício de maneira construtiva e sadia. A verdade,
por exemplo, tem que ser colocada em um pedestal, acima de todo e qualquer
interesse, e ser buscada com persistência, com coragem e até de forma
obsessiva, em toda e qualquer ocasião. Mas é preciso, antes de tudo, que o
jornalismo seja exercido com ética.
O jornalista tem que
ter em mente que os personagens das histórias que traz a público – trágicas ou
cômicas, coletivas ou individuais, envolvendo ora atos sublimes e nobres, ora
crimes escabrosos e hediondos (estes, infelizmente, em maior quantidade) – não
são imaginários, como os criados pelos escritores de ficção: romancistas,
novelistas ou roteiristas de cinema. Envolvem seres reais, de carne, osso,
sangue e vísceras, com reações e emoções contraditórias, com sonhos, recalques,
desvios, alegrias e decepções. Tem que se conscientizar que está lidando com
"pessoas", não com sombras ou
conceitos.
Deve ter em mente que a
"matéria-prima" do seu trabalho é o ser humano, com suas
deficiências, virtudes, taras, grandezas, interesses e mesquinharias. Não pode nunca se esquecer de que, a mais
leve insinuação, por mínima que seja, sobre desvios de conduta de alguém, sua
moral ou sua forma de pensar, trará
conseqüências, muitas vezes irreversíveis, para esse indivíduo. Pode
destruí-lo. Daí a necessidade do profissional de jornalismo (repórter, editor,
comentarista etc.) ser justo, imparcial e honesto no que faz.
Não precisa, (e nem deve), "carregar nas tintas"
para obter efeitos e assim conseguir manchetes que impressionem e atraiam os
leitores (ou ouvintes ou telespectadores). E nem dissimular os grandes dramas
que se desenrolam no cotidiano, temendo chocar o público-alvo. O jornalismo é (ou
deve ser) um espelho em que a sociedade se mire. Se a imagem que reflete é
feia, não é sua culpa. A realidade é que muitas vezes é escabrosa e
aterrorizante. Ou, em raras ocasiões, sublime e surpreendente.
O ingrediente básico
para um jornalista obter a plena realização profissional, no entanto, é a
paixão. É a absoluta convicção de estar fazendo o que gosta e o que melhor
sabe. É sempre agir no sentido do permanente aperfeiçoamento, estudando,
treinando, desenvolvendo técnicas, apurando a linguagem e se informando
obsessivamente, sem cessar, não se deixando levar por uma estúpida e enganadora
auto-suficiência, pensando que tudo sabe. É jamais achar que não tem mais nada
para aprender. É ser humilde, determinado, corajoso e justo. É trabalhar,
trabalhar e trabalhar, sem nunca esperar resultados de qualquer espécie
(principalmente materiais), apenas por amor àquilo que faz.
A esse propósito,
Machado de Assis observou, na crônica "O Espelho", publicada na
"Gazeta de Notícias" do Rio de Janeiro, em 11 de setembro de 1859:
"Fazer do talento uma máquina, e uma máquina de obra grosseira, movida
pelas probabilidades financeiras do resultado, é perder a dignidade do talento
e o pudor da consciência".
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