Escritor “moderno”
nascido há 450 anos
Pedro
J. Bondaczuk
“O meu corpo é um
jardim, a minha vontade um jardineiro (...) A dúvida prudente é considerada o
farol do sábio (...) A esperança, muitas vezes, é um cão de caça sem pistas
(...) O mundo é uma história contada por um idiota, desprovida de senso e
significado e cheia de barulho e fúria (...) Ao peso deste triste tempo devemos
obedecer, falar o que sentimos, não que devemos dizer (...) “À medida que a
imaginação dá corpo às formas das coisas desconhecidas, a pena do poeta
empresta-lhe contornos, dando ao vazio e ao nada uma casa, um sentido e um nome
(...) A arte dá vida ao que está morto”.
Estas são apenas
algumas poucas opiniões, pinçadas a esmo, na obra de um escritor de suma
modernidade e de evidente e incontestável talento, tanto no conteúdo do que
escreveu, quanto na forma de expressar idéias, o que se comprova de imediato,
sem nenhuma dificuldade, á simples primeira leitura, mesmo que apressada e sem
saber de quem se trata. É possível, sem nenhum exagero, compor todo um livro
apenas com citações esparsas, desse tipo, extraídas de seus textos,
simultaneamente filosóficos e poéticos, realistas, mas sem perder cunho
idealístico. Essa é façanha de gênio, convenhamos. Você já identificou o autor?
Pense em todos os escritores modernos que conhece e, ainda assim, dificilmente
acertará.
E se eu lhe disser que
o autor dessas pérolas de sabedoria e sensibilidade, de tamanha atualidade e
modernidade, nasceu há 450 anos (mais especificamente, em 23 de abril de 1564),
você acreditaria? Não, amigo leitor, não estou brincando. Viveu mesmo em tempo
tão remoto e muitos chegam a duvidar que existiu (pelo menos com o nome e a
personalidade com que o conhecemos). Há quem especule que foi membro da realeza
britânica (nasceu na Grã-Bretanha). Alguns chegam ao extremo de especular que
se trata da própria rainha Elizabeth I. Se a sua identidade é controversa, o
que dizer da sua biografia, cheia de furos e de polêmicas?
Há maldosos, desses que
vêem malícia em todos e tudo, que procuram, apenas, o “lado obscuro” na vida
dos gênios (qualquer escândalo ou deslize que desmereça sua grandeza), que
insinuem que nosso personagem tenha sido bissexual. Bem, se o fosse, se
houvesse o mínimo documento comprobatório, observe-se, não haveria nada de
mais. Cada qual é dono de suas preferências, pelas quais devem responder. São
questões que só cabe a eles e a mais ninguém. Mas muitos fazem essa maliciosa
(e covarde) insinuação com base, somente, em alguns de seus sonetos e peças – o
escritor em questão era, além de poeta, autor teatral e chegou a atuar nos
palcos como ator – como se fosse possível chegar a uma conclusão como essa
apenas por uma linha ou outra de algum de seus textos, tomado, evidentemente,
fora do devido contexto.
Já deu para o leitor
identificar o “gênio da modernidade” a que me refiro, apenas pelas escassas
indicações que trouxe à baila? Confesso que, há anos, desde minha juventude,
que já vai tão distante, eu planejava escrever a seu respeito, mas não
encontrava “gancho” adequado para tal. Em 23 de abril de 2014, quando este
apareceu, as circunstâncias me “atropelaram”. Outros temas desviaram-me a
atenção e a data passou batida. Todavia, eu não poderia deixar o ano acabar sem
abordar, posto que sem nenhuma conotação biográfica, mas meramente testemunhal,
esse escritor que conseguiu permanecer moderno e atual por inacreditáveis 398
anos após sua morte (morreu em 23 de abril de 1616, no exato dia de seu 52º
aniversário).
E daí? Já identificaram
quem é este personagem, objeto obrigatório de estudo em praticamente todos os
países de língua inglesa? E se eu lhe disser que se trata do autor de peças que
há quatro séculos jamais perderam a atualidade, como “Hamlet”, “Rei Lear”,
“Sonho de uma noite de verão”, “Medida por medida”, “O rapto de Lucrécia”,
“Noite de reis”, “Marco Antonio e Cleópatra”, além de uma infinidade de poemas,
na maioria sonetos, facilita? Creio que o leitor já matou a charada. E para
arrematar, cito sua peça mais famosa, que até quem nunca leu um único livro na
vida ou jamais assistiu a uma representação teatral, pelo menos ouviu dizer:
“Romeu e Julieta”. Sim, amigos, esse gênio da modernidade, embora nascido há
450 anos, na cidadezinha inglesa de Stratford-upon-Avon, no condado de
Warwickshire, filho de Johannes Shakespeare, é WILLIAM SHAKESPEARE.
E qual o segredo desse
gênio para escrever com tamanha perícia, a ponto de sua obra permanecer
rigorosamente moderna em quase meio milênio?
A professora de língua inglesa e literatura, da Universidade de Oxford,
Laurie Maguire, tem tese plausível a respeito, que considero, até, bastante
provável. Essa especialista na obra de Shakespeare escreveu, no livro “Onde há
uma vontade, há um caminho”: “O autor do século XVI reflete sobre questões
universais, que afligem a sociedade ainda hoje. Shakespeare é uma espécie de
‘guru’ para a geração contemporânea”. E
que guru! É paradigma digno de ser tomado como modelo por quem pretenda legar à
posteridade obra sólida, profunda, útil e que nunca perca a atualidade.
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