Wednesday, November 26, 2014

Escritor “moderno” nascido há 450 anos

Pedro J. Bondaczuk

O meu corpo é um jardim, a minha vontade um jardineiro (...) A dúvida prudente é considerada o farol do sábio (...) A esperança, muitas vezes, é um cão de caça sem pistas (...) O mundo é uma história contada por um idiota, desprovida de senso e significado e cheia de barulho e fúria (...) Ao peso deste triste tempo devemos obedecer, falar o que sentimos, não que devemos dizer (...) “À medida que a imaginação dá corpo às formas das coisas desconhecidas, a pena do poeta empresta-lhe contornos, dando ao vazio e ao nada uma casa, um sentido e um nome (...) A arte dá vida ao que está morto”.

Estas são apenas algumas poucas opiniões, pinçadas a esmo, na obra de um escritor de suma modernidade e de evidente e incontestável talento, tanto no conteúdo do que escreveu, quanto na forma de expressar idéias, o que se comprova de imediato, sem nenhuma dificuldade, á simples primeira leitura, mesmo que apressada e sem saber de quem se trata. É possível, sem nenhum exagero, compor todo um livro apenas com citações esparsas, desse tipo, extraídas de seus textos, simultaneamente filosóficos e poéticos, realistas, mas sem perder cunho idealístico. Essa é façanha de gênio, convenhamos. Você já identificou o autor? Pense em todos os escritores modernos que conhece e, ainda assim, dificilmente acertará.

E se eu lhe disser que o autor dessas pérolas de sabedoria e sensibilidade, de tamanha atualidade e modernidade, nasceu há 450 anos (mais especificamente, em 23 de abril de 1564), você acreditaria? Não, amigo leitor, não estou brincando. Viveu mesmo em tempo tão remoto e muitos chegam a duvidar que existiu (pelo menos com o nome e a personalidade com que o conhecemos). Há quem especule que foi membro da realeza britânica (nasceu na Grã-Bretanha). Alguns chegam ao extremo de especular que se trata da própria rainha Elizabeth I. Se a sua identidade é controversa, o que dizer da sua biografia, cheia de furos e de polêmicas?

Há maldosos, desses que vêem malícia em todos e tudo, que procuram, apenas, o “lado obscuro” na vida dos gênios (qualquer escândalo ou deslize que desmereça sua grandeza), que insinuem que nosso personagem tenha sido bissexual. Bem, se o fosse, se houvesse o mínimo documento comprobatório, observe-se, não haveria nada de mais. Cada qual é dono de suas preferências, pelas quais devem responder. São questões que só cabe a eles e a mais ninguém. Mas muitos fazem essa maliciosa (e covarde) insinuação com base, somente, em alguns de seus sonetos e peças – o escritor em questão era, além de poeta, autor teatral e chegou a atuar nos palcos como ator – como se fosse possível chegar a uma conclusão como essa apenas por uma linha ou outra de algum de seus textos, tomado, evidentemente, fora do devido contexto.

Já deu para o leitor identificar o “gênio da modernidade” a que me refiro, apenas pelas escassas indicações que trouxe à baila? Confesso que, há anos, desde minha juventude, que já vai tão distante, eu planejava escrever a seu respeito, mas não encontrava “gancho” adequado para tal. Em 23 de abril de 2014, quando este apareceu, as circunstâncias me “atropelaram”. Outros temas desviaram-me a atenção e a data passou batida. Todavia, eu não poderia deixar o ano acabar sem abordar, posto que sem nenhuma conotação biográfica, mas meramente testemunhal, esse escritor que conseguiu permanecer moderno e atual por inacreditáveis 398 anos após sua morte (morreu em 23 de abril de 1616, no exato dia de seu 52º aniversário).

E daí? Já identificaram quem é este personagem, objeto obrigatório de estudo em praticamente todos os países de língua inglesa? E se eu lhe disser que se trata do autor de peças que há quatro séculos jamais perderam a atualidade, como “Hamlet”, “Rei Lear”, “Sonho de uma noite de verão”, “Medida por medida”, “O rapto de Lucrécia”, “Noite de reis”, “Marco Antonio e Cleópatra”, além de uma infinidade de poemas, na maioria sonetos, facilita? Creio que o leitor já matou a charada. E para arrematar, cito sua peça mais famosa, que até quem nunca leu um único livro na vida ou jamais assistiu a uma representação teatral, pelo menos ouviu dizer: “Romeu e Julieta”. Sim, amigos, esse gênio da modernidade, embora nascido há 450 anos, na cidadezinha inglesa de Stratford-upon-Avon, no condado de Warwickshire, filho de Johannes Shakespeare, é WILLIAM SHAKESPEARE.

E qual o segredo desse gênio para escrever com tamanha perícia, a ponto de sua obra permanecer rigorosamente moderna em quase meio milênio?  A professora de língua inglesa e literatura, da Universidade de Oxford, Laurie Maguire, tem tese plausível a respeito, que considero, até, bastante provável. Essa especialista na obra de Shakespeare escreveu, no livro “Onde há uma vontade, há um caminho”: “O autor do século XVI reflete sobre questões universais, que afligem a sociedade ainda hoje. Shakespeare é uma espécie de ‘guru’ para a geração contemporânea”.  E que guru! É paradigma digno de ser tomado como modelo por quem pretenda legar à posteridade obra sólida, profunda, útil e que nunca perca a atualidade.


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