Reflexões sobre o
infinito
Pedro
J. Bondaczuk
A noção de infinito é
complexa demais para nossa mente finita. Não conseguimos conceber nada que não
tenha princípio e nem fim ou qualquer dimensão (em cima, embaixo, dos lados
etc.etc.etc.). Muitos negam sua existência, por ela não se enquadrar na lógica com
que raciocinam. Outros tantos admitem que exista, embora sem pensar muito a
propósito. Sequer tentam, portanto, entender a noção. A imensa maioria nem se
dá o trabalho de pensar a propósito (ou em qualquer outra coisa que não seja a
maneira de garantir o pão nosso de cada dia), até por entender que essa ideia,
haja ou não infinito, não fará a menor diferença em suas vidas. Não faz de
fato. Ou será que faz? Há, porém, determinada minoria, minoria mesmo,
reduzidíssima, ínfima, que não se contenta com o trivial. Esta busca entender
os “como” e os “porquês” do universo e da vida. Por conseqüência, se debruça
sobre a noção de infinito no afã de compreendê-la.
Li textos de inúmeros
escritores abordando o assunto, em variados gêneros literários (poesias, ensaios,
contos e até romances, colocando as reflexões na boca de personagens), todos em
tom especulativo. Nenhum se arrisca em ser conclusivo. Pudera! Não creio que
alguém entenda, mas entenda mesmo, a idéia de algo que não tenha início e nem
fim. E que, sobretudo, consiga verbalizar esse entendimento de forma coerente e
inteligível, o que é muito mais complicado ainda. De todas as especulações que
li a propósito, a que achei a mais genial foi, e nem poderia deixar de ser, a
de um gênio. Não me refiro a algum cientista (físico, astrônomo ou matemático),
mas a um escritor consagrado, clássico da Literatura mundial. E esse homem de
letras é Victor Hugo.
O texto em que trata do
assunto é um trecho do seu memorável romance “Os miseráveis” (que já tive a
feliz oportunidade de comentar, neste espaço), que muito leitor não se dá conta
em se deter para refletir a respeito. Passa batido, entretido, apenas, pelo
enredo. Não sei se Hugo tratou do assunto em outros trabalhos literários. Mas
grifei esse trecho do seu romance, sobre o qual debruço-me amiúde. E quanto
mais o leio, mais me intrigo e, simultaneamente, mais me embeveço.
Hugo inicia as citadas
reflexões com uma série de indagações, bem ao estilo socrático da busca da
verdade. Escreve: “Há ou não um infinito fora de nós? É ou não único, imanente,
permanente, esse infinito; necessariamente substancial, pois que é infinito, e
que, se lhe faltasse a matéria, limitar-se-ia àquilo; necessariamente
inteligente, pois que é infinito, e que, se lhe faltasse a inteligência,
acabaria ali? Desperta ou não em nós esse infinito a ideia de essência, ao
passo que nós não podemos atribuir a nós mesmos senão a ideia de existência?
Por outras palavras, não é ele o Absoluto, cujo relativo somos nós?”. Não são
as mesmas indagações que fazemos quando (ou se) pensamos a respeito? Pelo menos
no meu caso, são.
E Hugo prossegue: “Ao
mesmo tempo que fora de nós há um infinito não há outro dentro de nós? Esses
dois infinitos (que horroroso plural!) não se sobrepõem um ao outro? Não é o
segundo, por assim dizer, subjacente ao primeiro? Não é o seu espelho, o seu
reflexo, o seu eco, um abismo concêntrico a outro abismo? Este segundo infinito
não é também inteligente? Não pensa? Não ama? Não tem vontade? Se os dois
infinitos são inteligentes, cada um deles tem um princípio volante, há um eu no
infinito de cima, do mesmo modo que o há no infinito de baixo. O eu de baixo é
a alma; o eu de cima é Deus”. Muitos, sobretudo ateus renitentes. discordam
Essa, porém, é minha visão da parte imaterial de que somos dotados e do
conceito, mais incompreensível ainda pelo prisma da pura lógica humana, da divindade.
Mais instigantes ainda
são estas conclusões do escritor: “Pôr o infinito de baixo em contacto com o
infinito de cima, por meio do pensamento, é o que se chama orar. Não tiremos
nada ao espírito humano; é mau suprimir. O que devemos é reformar e
transformar. Certas faculdades do homem dirigem-se para o Incógnito, o
pensamento, a meditação, a oração. O Incógnito é um oceano. Que é a consciência?
É a bússola do Incógnito. O pensamento, a meditação, a oração são tudo grandes
irradiações misteriosas. Respeitemo-las. Para onde vão essas majestosas
irradiações da alma? Para a sombra, quer dizer, para a luz. A grandeza da
democracia consiste em não negar, nem renegar nada da humanidade. Ao pé do
direito do homem, pelo menos ao lado, há o direito da alma”.
Mas Hugo faz uma
pertinente e essencial observação a respeito. Exorta-nos: “A lei é esmagar os
fanatismos e venerar o infinito. Não nos limitemos a prostrar-nos debaixo da
árvore da Criação e a contemplar os seus imensos ramos cheios de astros. Temos
um dever: trabalhar para a alma humana, defender o mistério contra o milagre,
adorar o incompreensível e rejeitar o absurdo, não admitindo em coisas inexplicáveis
senão o necessário, tornando sã a crença, tirando as superstições de cima da
religião, catando as lagartas de Deus”. O que mais acrescentar a esse brilhante
raciocínio? Nada, absolutamente nada.
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