Embaixadas não são abrigos
para criminosos
Pedro J. Bondaczuk
O
secretário de Defesa norte-americano, Caspar Weinberger, levantou, num discurso
que pronunciou anteontem, na Associação Norte-americana dos Advogados, um tema
muito intrigante. Falou sobre os abusos que "pseudodiplomatas"
(conforme sua própria expressão) dão às embaixadas de seus respectivos países
nas nações que os acolhem, transformando tais missões diplomáticas em
verdadeiras fortalezas do terrorismo internacional.
Ninguém
poderá negar que sua acusação (ou seria uma queixa?) tem plena procedência.
Principalmente quando se recorda do incidente verificado na sede da diplomacia
líbia em Londres, em abril de 1984, quando foi mortalmente atingida a policial
inglesa Yvonne Fletcher.
O
local, que tecnicamente se destinava a diplomatas, a homens acostumados a
tratar dos grandes problemas e conflitos apenas tendo como argumento a razão,
parecia conter, na verdade, uma horda de pistoleiros, tal era a quantidade de
armas que havia nesse edifício. A questão desembocou, como só poderia
acontecer, numa ruptura de relações entre a Líbia e a Grã-Bretanha.
Mencionamos
este caso não por achar que os líbios sejam os únicos a desvirtuar a finalidade
de uma embaixada no estrangeiro. Mas porque ele ilustra com exatidão o que
Weinberger desejou ressaltar.
Faltou,
entretanto, o secretário norte-americano apontar o outro lado da questão. O dos
países que utilizam suas missões diplomáticas no Exterior como grandes centros
de espionagem, violando, flagrantemente, todas as normas escritas ou apenas
consuetudinárias, existentes a respeito. E dessa prática, poucos escapam, em
especial as próprias potências.
Não
faz muito, o mundo assistiu a uma autêntica guerra de expulsões entre a
Grã-Bretanha e a União Soviética, exatamente em decorrência desse motivo. Pouco
tempo depois, a mesma coisa repetiu-se entre Moscou e Paris. E mais
recentemente, houve um incidente parecido envolvendo russos e italianos. Como
se vê, não são apenas a Líbia, a Síria, o Irã e eventualmente a própria União
Soviética que fazem uso inadequado de suas embaixadas.
No
ano passado, a Grã-Bretanha publicou um interessante relatório, sem mencionar,
evidentemente, as personalidades envolvidas, capaz de estarrecer a qualquer um.
Nele se mostrava o número de delitos (vários deles crimes comuns) em que
estiveram envolvidos funcionários das diversas missões diplomáticas em Londres.
Essas infrações ultrapassavam a duas centenas e ficaram todas impunes, em
virtude das chamadas "imunidades diplomáticas".
Em
alguns casos, os participantes, nesses crimes, sequer foram mandados de volta a
seus respectivos países, para não deflagrar escândalos e não causar mal-estar.
Seus nomes não freqüentaram as manchetes policiais dos grandes jornais
ingleses. E quando muito, esses diplomatas traquinas receberam ligeiras
advertências das autoridades.
Weinberger
disse bem, em seu discurso de anteontem: "um título diplomático não deve
dar licença a ninguém para matar". E isso deveria servir para todos e não
somente para líbios, sírios ou iranianos (embora os delitos destes sejam muito
mais ostensivos).
O
terrorismo, ao nosso ver, não implica apenas em ataques armados, em sabotagens
de instituições norte-americanas ou em explosões de bombas em supermercados,
aeroportos e outras repartições públicas. A espionagem também pode ser
classificada como tal. Afinal, ela nunca se destinou a finalidades elevadas ou
nobres e muito menos construtivas para o país onde ela é realizada. Geralmente
o que se procura com essas ações é sabotar um regime e agir contra ele,
inclusive militarmente.
É
necessário, indispensável e prudente que as embaixadas sejam, acima de tudo,
sinônimos de boa vontade entre as nações. Que ali haja apenas ânimo negociador
e que jamais esses locais sirvam de centro de planejamento do terrorismo ou de
quartel-general de operações dos chamados serviços de inteligência (eufemismo
que se criou para designar a espionagem). Diplomacia não se faz com
desconfianças, com ânimo belicoso ou com traquinagens. E tudo isso precisa
acabar se as nações quiserem ter relações civilizadas.
(Artigo
publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 7 de junho de
1986)
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