Um poder paralelo
Pedro J. Bondaczuk
O
ex-secretário-geral das Nações Unidas, Javier Perez de Cuellar, num relatório
que divulgou em 1990, pouco antes de deixar o cargo, chamou a atenção da
comunidade internacional para o problema do crime organizado, em especial para
grupos especializados no narcotráfico.
Enfatizou que esta seria a principal questão da
década, muito mais difícil de ser resolvida do que o terrorismo, o
fundamentalismo religioso e o nacionalismo extremado, três outras grandes
fontes de tensões nacionais e mundiais. E estava absolutamente certo em suas
avaliações.
Depois de muito tempo de inércia e de
pseudo-soluções, que não conduziram a nada, o mundo, finalmente, desperta para
o perigo representado por essas organizações criminosas. A prova é a
conferência patrocinada pelas Nações Unidas que está sendo realizada em
Nápoles, na Itália.
O encontro, que reúne representantes de 140 países,
debate formas para o combate – de maneira conjugada e cooperativa – eficaz do
crime organizado, que na atualidade tem um faturamento anual maior do que os
orçamentos nacionais da maioria dos Estados independentes do mundo.
Nós, no Brasil, temos um enfático exemplo do perigo
representado por essas quadrilhas, inclusive para o próprio poder constituído,
no Rio, onde cerca de 1,5 milhão de pessoas são mantidas como “reféns” de
bandidos.
A situação adquiriu tamanha gravidade, que foi
preciso convocar as Forças Armadas para coordenar a “limpeza” nos morros,
tarefa das mais espinhosas e, sobretudo, perigosas, pelas circunstâncias que
envolve.
O convênio entre militares e os governos federal e
estadual tem duração limitada, diríamos irreal, até 31 de dezembro próximo.
Todavia, o governador eleito do Rio, Marcelo de Alencar, e o próprio futuro
presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, admitiram que esse prazo
deverá ser esticado por pelo menos um ano.
Prometeram que as ações repressivas serão acompanhadas de
providências no campo social, para que os favelados não tenham mais que
recorrer a meios ilegais, diríamos “heterodoxos”, para obter assistência.
Nas favelas cariocas, os bandidos fazem o que
competiria ao Estado fazer e, claro, não por uma questão de bondade ou
solidariedade, mas com o objetivo de conquistar senão a simpatia, pelo menos a
conivência ou o silêncio da comunidade.
Financiam tratamentos médicos e dentários, pagam
escolas, socorrem os que precisam de ajuda nas horas de maior necessidade,
compram remédios, etc. Quando não conseguem, nem assim, comprar a lealdade dos
moradores dos morros, recorrem a execuções sumárias. Volta e meia, são
descobertos cemitérios clandestinos nestas áreas, a demonstrar que os
criminosos impõem uma espécie de “lei marcial” em seus feudos.
Daí as organizações criminosas terem conseguido
fincar raízes tão profundas nesta parte da cidade, que tem uma população maior
do que a de Campinas. Uma simples ação repressiva, como a invasão da área por
parte dos militares, sem providências complementares, de caráter social, do
Estado, não vai resolver o problema. Apenas conseguirá mascará-lo.
A cada bandido que tombar, surgirá outro – mais
perigoso e cruel do que o que for neutralizado – para substituí-lo. O que é
necessário é atacar as causas, e não apenas os efeitos, da marginalidade. Neste
aspecto, o Rio pode ser um bom
laboratório para desenvolver métodos eficazes de combate ao crime organizado no
mundo.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 22 de novembro de 1994).
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