País que joga seu futuro fora
Pedro J.
Bondaczuk
A criança abandonada tem sido, através dos anos, tema
preferido dos políticos em vésperas de eleições e de intelectuais que nem
sempre conhecem de perto esse drama. Mas de ação concreta para acabar com o
problema pouquíssima coisa tem sido feita.
O que é realizado, em geral,
acaba sendo obra de uns poucos beneméritos, por sua própria conta e risco. Por
causa de tanta retórica e nenhuma providência, o País já conta, conforme
números confiáveis de organismos internacionais, com 35 milhões de menores
carentes ou relegados ao completo abandono. Quem transita diariamente pelo
Centro de Convivência Cultural, no Cambuí, em Campinas, por exemplo, topa,
invariavelmente, com muitos deles, como mostrou o Correio Popular ontem.
Bandos de meninos de rua
reúnem-se perto do teatro para defender sua sobrevivência, mesmo que por meio
da marginalidade. É o único caminho que lhes é dado trilhar num País que se diz
do futuro, mas que desperdiça de uma maneira tão insensata e criminosa o maior
patrimônio que possui: sua infância. O problema é grave e não comporta soluções
simplistas, já que invade as esferas tanto do social, quanto do político.
Em épocas de campanhas
eleitorais, o tema ganha relevância nos palanques, em discursos inflamados e
bonitos e em planos mirabolantes anunciados por candidatos das mais diversas
tendências ideológicas. Findas as eleições, o assunto acaba sendo esquecido em
questão de meros dias. E tudo continua como sempre foi.
Enquanto isso, contingentes e
mais contingentes de crianças abandonadas, desnutridas, desesperançadas, que
desde muito cedo têm que conviver com a violência, o abuso sexual e a
criminalidade, vão se multiplicando pelas ruas das grandes cidades.
Hoje, tais meninos e meninas sem
nenhum futuro senão a marginalidade (caso ninguém lhes estenda as mãos) já
somam as populações reunidas da Argentina (32 milhões) e Uruguai (três
milhões).
Eles são as grandes e silenciosas
vítimas da crise que atinge o Brasil e parece não ter mais fim. Isto não quer
dizer que o País não seja viável ou que tenhamos que abrir mão da esperança de
um futuro promissor que todos estamos lutando para construir, embora às vezes
de uma forma caótica e desordenada.
É nas fases críticas que as
pessoas tendem a crescer, já que precisam usar aquela reserva de talento e
energia que trazem dentro de si e muitas vezes não sabem que possuem. Mas é
necessário fazer alguma coisa já, urgentemente, pelo menor abandonado,
continuar trabalhando e confiar no resultado do trabalho. Até porque, como
disse o escritor Elias Canetti, “se eu duvidasse, se eu tivesse realmente
desistido da esperança, não poderia mais viver”.
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 26 de
julho de 1990).
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