Saturday, November 22, 2014

Choque fiscal

Pedro J. Bondaczuk

O ministro da Fazenda, Paulo Haddad, deve ter voltado muito frustrado da sua viagem aos Estados Unidos, apesar de dizer, em todas as entrevistas que deu, que considera bastante positivo este primeiro contato de um membro de alto escalão do governo Itamar Franco com a comunidade financeira internacional.

Volta de mãos vazias, sem nenhum resultado a apresentar que indique a iminência da renovação do acordo do Brasil com o FMI, que possibilite ao País contar com os US$ 4 bilhões que esperava obter da instituição multilateral. Nem conseguiu que sua tese de combate à inflação com moderado reaquecimento da economia fosse levada a sério. Regressa da mesma forma que embarcou na semana passada: de mãos absolutamente vazias.

Esta, porém, não é a parte pior. O lado mais negativo dos contatos de Haddad nos Estados Unidos é a constatação de que o Fundo Monetário Internacional não está disposto a modificar o seu receituário para economias doentes, como é a brasileira. Insiste em estratégias recessivas, indiferente às implicações sociais que tais medidas possam ter.

O diretor-gerente do FMI, Michel de Camdessus, deixou isto bem claro ao ministro da Fazenda, durante encontro que ambos tiveram na terça-feira. Recomendou ao governo Itamar Franco que aplique um “choque fiscal” ainda este ano, para conseguir arrecadação excedente de US$ 24 bilhões e, dessa forma, zerar o déficit público, principal causador da explosão inflacionária.

O que isso significa, trocado em miúdos, para o cidadão comum? Uma brutal elevação da intolerável carga de impostos, com a conseqüente necessidade do cerco sem tréguas aos sonegadores, corte de subsídios e demissão de servidores.

Claro que o governo Itamar, que assumiu o poder sem planos de qualquer espécie, não tem cacife para um jogo tão pesado. Falta-lhe respaldo político. Se a criação do Imposto Provisório sobre Movimentação Financeira, o malfadado IPMF, vem encontrando tamanha resistência da sociedade, imaginem o que ocorreria se o presidente se dispusesse a retirar do setor privado quatro vezes mais recursos do que teoricamente esse tributo deve gerar!

A parte pior, porém, nem é esta. Um choque fiscal, como o FMI sugere – para não dizer impõe – agravaria a recessão a um nível nunca visto no País. Economistas estimam que as taxas de desemprego aberto, que giram, atualmente, ao redor de 5,5%, explodiriam para a casa dos 18%.

Haveria, em tal circunstância, quem conseguisse evitar uma convulsão social, maior do que aquela que hoje se manifesta através dos arrastões e dos saques a supermercados? Nem é bom pagar para ver!

Claro que o ministro Haddad não vai recomendar essa “receita” ao presidente Itamar. Aliás, há uma certa incoerência dos organismos multilaterais. Enquanto prometem apoio para projetos de combate à miséria nos países do Terceiro Mundo, fazem exigências que, se cumpridas, agravariam o quadro já bastante trágico da miserabilidade.

Os sofrimentos que um “choque fiscal” geraria entre a população desvalida talvez fosse de tal intensidade que os limites de tolerância viessem a ser ultrapassados. As conseqüências não são possíveis de se prever. Mesmo que seja o mais catastrofista de todos os pessimistas do Planeta.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 13 de fevereiro de 1993).


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