Divagando sobre o amor
Pedro
J. Bondaczuk
O amor, como tema
literário, é o maior desafio para qualquer escritor que se preze, embora seja,
disparado, o assunto sobre o qual mais já se escreveu, se escreve e
provavelmente se escreverá enquanto houver seres humanos na face da Terra.. Não
é fácil (muitíssimo pelo contrário) ser original ao se escrever algo sobre tema
tão batido. O maior risco, do qual poucos escritores escapam (sobretudo poetas)
é o de errar na dose e resvalar para a pieguice. Ainda assim... as abordagens
piegas terão lá seus leitores (a menos que sejam ridículas em demasia) e mesmo
seguidores. A imensa maioria dos textos produzidos versando, de uma forma ou de
outra, sobre esse sentimento tão simples e simultaneamente tão complexo (que
tremendo paradoxo!), não passa de mera variação em torno dele. E, ainda
assim... Mudam-se palavras, variam-se metáforas, alteram-se situações, criam-se
novos personagens, trocam-se estilos, todavia, no fundo, no fundo, são ditas,
escritas (e lidas) sempre e sempre as mesmissimas coisas a propósito.
São raros os livros –
talvez apenas os técnicos e os didáticos, se tanto – e não importa de que gênero,
que não tratem de amor. A literatura de ficção tem nesse tema seu foco
preferencial. Mesmo em enredos de aventura, que esbanjem violência e vilania,
os autores dão um jeito, não raro até inconscientemente, de encaixar esse
assunto. E tanto faz que seja de amores bem-sucedidos ou dos frustrados, que
deixam na alma o amargo travo da rejeição ou, pior, da traição. Em poesia,
então, nem é preciso destacar. O gênero praticamente existe em função do amor.
Crônicas a propósito,
então, existem aos milhões. Eu mesmo já escrevi infinidade delas, por volta de
um milhar (mesmo que nunca tenha contado quantas), embora admitindo que em
nenhuma fui minimamente original (é possível isso?) ou mesmo que com elas tenha
logrado fazer sequer arremedo de boa literatura. Bem, julgamentos a esse
propósito não me cabem, porquanto jamais seria imparcial. Ou carregaria nas
tintas das críticas, no afã de alcançar
impossível perfeição, ou me deixaria levar por tola pirotecnia verbal,
que a vaidade impediria de detectar ou mesmo de admitir. Em suma, não farei
nenhuma autocrítica. Não, pelo menos, aqui e agora. Deixo a tarefa para meus
incógnitos leitores.
Li, nos últimos três
dias, várias crônicas tendo por tema o amor. Fiz esse (delicioso) exercício até
como uma espécie de antídoto, para neutralizar e depurar o veneno do pessimismo
que, à minha revelia, se apossou do meu espírito ao tratar de temas penosos,
como o do aquecimento global, que me deixaram mais do que preocupado:
desesperado. A realidade, nua e crua, no entanto (posto que, neste e em tantos
outros casos necessária), nos desanima, preocupa, aflige e até mesmo causa
alarme. E a vida (felizmente) não é constituída somente de insanidade,
violência, cobiça, maldade etc.etc. etc., enfim de tudo o que torna o mundo
muito pior do que poderia e deveria ser. Há, nela, espaço para a alegria, o
riso, o bom-humor e até para um tantinho (quem sabe um tantão) de felicidade.
Das várias crônicas que
li, separei trechos de duas, ambas, escritas por poetas, que partilho,
gostosamente, com vocês. A primeira é de Mário Quintana e intitula-se
“Felicidade realista”. Nela, o sublime escritor dos Pampas observa, em
determinado parágrafo:
“E quanto ao amor? Ah,
o amor... não basta termos alguém com quem podemos conversar, dividir uma pizza
e fazer sexo de vez em quando. Isso é pensar pequeno: queremos AMOR, todinho
maiúsculo. Queremos estar visceralmente apaixonados, queremos ser surpreendidos
por declarações e presentes inesperados, queremos jantar à luz de velas de
segunda a domingo, queremos sexo selvagem e diário, queremos ser felizes assim
e não de outro jeito”. E Quintana não está certo? Pelo menos eu quero, sempre e
sempre, contar com um amor assim...
A outra crônica que me
chamou, em particular, a atenção, foi escrita pelo também poeta Affonso Romano
de San’Anna”. Seu título é “Aprendendo a amar” e dela separei dois trechos, em
particular, para partilhar com vocês. No primeiro, o autor escreve:
“Não tema o romantismo. Derrube as cercas da opinião alheia. Faça
coroas de margaridas e enfeite a cabeça de quem você ama. Saia cantando e olhe
alegre. Recomendam-se: encabulamentos; ser pego em flagrante gostando; não se
cansar de olhar, e olhar; não atrapalhar a convivência com teorizações; adiar
sempre, se possível, as reclamações pela pouca atenção recebida. Para quem ama
toda atenção é sempre pouca. Quem ama feio não sabe que pouca atenção pode ser
toda atenção possível. Quem ama bonito não gasta o tempo dessa atenção cobrando
o que deixou de ter”. Que tal agir dessa maneira?
O segundo trecho da crônica “Aprendendo a amar”, de Affonso Romano de
Sant’Anna, porém, fornece-me o “gancho” ideal para encerrar estas
descompromissadas e super-espontâneas reflexões. Nele, o autor escreve: “Não
teorize sobre o amor (deixe isso para nós, pobres escritores que vemos a vida
como criança de nariz encostado na vitrine, cheia de brinquedos dos nossos
sonhos): não teorize sobre o amor, ame. Siga o destino dos sentimentos aqui e
agora”. É isso! Nós, escritores, temos a incorrigível mania de teorizar sobre
tudo e sobre todos. Até sobre o que não comporta teorias. Se tivermos vontade
de escrever sobre o amor, escrevamos, se é o que nos satisfaz. Mas não nos
limitemos a escrever. Afinal, esse sentimento existe não para ser teorizado,
virado no avesso e dissecado, como o cadáver de algum animal raro que desejemos
empalhar e guardar como troféu, como se fôssemos frios taxidermistas. Está aí,
solto, no ar, ao nosso alcance (suponho) para ser sentido, e em toda a sua
glória, posto que com todos os riscos que o ato de amar implica, mas que valem
a pena correr. E como valem, concordam?
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