Saturday, November 08, 2014

Falência das utopias

Pedro J. Bondaczuk

A humanidade está metida em uma encrenca sem tamanho que, se não for encontrada uma solução exata, e imediata, tende a levar a espécie à extinção. Ouso dizer que se trata da falência das utopias. E não se trata de nenhuma profecia ou de eventual arroubo catastrofista da minha parte. Longe disso. Antes fosse. Trata-se de pura projeção, baseada exclusivamente na lógica. O maior desafio do homem (ou um dos maiores) é o de tornar perenes recursos que são limitados, e que, claro, não se renovam.

A população mundial não pára de crescer e as novas gerações estão ávidas por bens de consumo, não importa se supérfluos ou essenciais. Não as condeno. Até porque, para complicar tudo, é exatamente a produção desses tantos produtos que movimenta a economia, que gera empregos e que possibilita que as pessoas tenham vida minimamente digna. Qualquer quebra dela, ou redução, mesmo que não drástica, ou sua mera estagnação, certamente tende a gerar desequilíbrios que, se profundos e prolongados, desembocariam em descontentamentos e, em casos extremos, em pavorosas e incontroláveis convulsões sociais.

Certamente ninguém quer isso. Não só não quer, como não admite. Ocorre que para haver produção, e continuamente em ascensão, se requer a utilização de matérias-primas essenciais, isso é óbvio. E estas, se não são (ou se não foram em passado recente) escassas, não são ilimitadas. Os estoques mundiais de boa parte delas – temo que seja da maioria – estão se aproximando perigosamente do zero. É certo que há a possibilidade de reciclagem de materiais, que por enquanto é prática incipiente, mas que, no médio prazo, tende a se transformar em ação indispensável para alimentar a indústria e manter a máquina da economia em movimento, assegurando certa estabilidade social. Não há outra solução à vista.

Se com produção plena – e não me refiro às regiões que passam por crises em suas economias, às voltas com recessão e com sua perversa consequência, o desemprego – há tanto descontentamento mundo afora, imaginem o que ocorreria se houvesse um colapso econômico mundial! Se as grandes indústrias, por exemplo, tivessem que fechar suas portas, por falta de matéria-prima para seu funcionamento. Haveria demissões em massa. E as manifestações como as ocorridas no Egito, na Turquia, na Ucrânia, no Brasil e em tantos outros lugares, motivadas exclusivamente por razões políticas, já tão sangrentas, se multiplicariam em quantidade e em intensidade. Seria o caos social absoluto e certamente não restrito a um punhado de países ou regiões. Seria mundial. Poderia (ou poderá) representar o colapso da civilização, tal como ela é hoje. É imperfeita? Sem dúvida. É injusta? Está mais do que claro que é. Mas poderia, ou melhor, poderá ser infinitamente pior.

A explosão populacional que se acentuou por uma série de razões a partir da segunda metade do século passado é encarada como problemática por pouquíssimas pessoas quando, de fato, é o grande problema, o central e urgente, a requerer imediata solução. Até por questão espacial. A Terra é um planeta relativamente pequeno, mesmo em nosso Sistema Solar, de uma estrela de quinta grandeza. Ademais, quatro quintos de sua superfície são ocupados por mares e oceanos. E esse um quinto restante é capaz de abrigar sem, digamos, “aperto”, quantidade limitada de pessoas. A quanto ascende esse limite? Não creio que alguém saiba com exatidão. Todavia, se não foi ainda atingido, não deve estar muito distante disso.

Quando o inglês Thomas Robert Malthus apresentou sua teoria acerca do crescimento da população, foi contestado, tratado até com certo escárnio e nunca foi levado a sério. Cansei de ler ensaios rebatendo sua percepção, rigorosamente lógica. Para refrescar a memória do leitor, lembro que o eminente economista, considerado o “pai da demografia”, constatou que, enquanto a população mundial cresce em progressão geométrica, os recursos para a geração de alimentos para nutrir esse contingente aumenta em progressão aritmética. Não é preciso ser nenhum matemático para chegar à conclusão elementarmente lógica. Ou seja, a de que, em determinado momento, haverá falta de comida para alimentar todo mundo. Riram dele. Argumentaram que novas e modernas técnicas agrícolas garantiriam safras para prover populações dez vezes maiores do que as de então do necessário.

Ocorre que “dona cegonha” continua trazendo mais e mais gente para o Planeta, e não a cada dia, mês ou ano, mas a cada minuto. O número de nascimentos diários ultrapassa, invariavelmente, e em muito, o de mortes. Por conseqüência... a população não pára de crescer. E a produção agrícola – que depende de uma série de fatores aleatórios como o clima, que tende a se desregular mais e mais em decorrência do aquecimento global – embora ainda suficiente para alimentar o dobro das pessoas existentes, não evolui em idêntica proporção e velocidade. Qual a conclusão lógica que se pode tirar? Creio que, até em respeito à inteligência do leitor, não preciso externar qual é, não é mesmo?

O tema é muito amplo e eu poderia citar inúmeros outros fatores que agravam a enorme encrenca em que a humanidade está metida, mas não o farei. Não, pelo menos, por hoje. Apesar da imensa maioria dos mais de sete bilhões de habitantes do Planeta ser desinformada, pelo menos a esse propósito (o que é um paradoxo se levarmos em conta os magníficos e miraculosos meios de comunicação ao nosso dispor hoje), sinto certa angústia, indisfarçável desconsolo generalizado, um que de crescente pessimismo pairando no ar. É provável que as pessoas intuam, mesmo que sem saber, o risco que pesa sobre a humanidade, ou seja, real ameaça á sobrevivência da espécie humana. Como estudioso das utopias, noto que, a partir do século XIX, estas escassearam e praticamente desapareceram. O que há, em profusão, é seu oposto, a distopia. Ou seja, projeções catastróficas para o futuro, que se acentuam e se multiplicam.                      

Somos bombardeados, 24 horas por dia sem cessar, e em todos os veículos de comunicação, por notícias e mais notícias ruins, como crimes, assaltos, roubos, estupros, traições, atos de corrupção etc.etc.etc. Há tempos que não leio, não vejo e nem ouço nada de positivo na mídia, e não importa se impressa, eletrônica ou qualquer outra, Faça um teste você mesmo, paciente leitor. Acesse um site especializado em notícias, qualquer deles. Acessou? Quantas informações referem-se a novas descobertas, a atos de justiça, nobreza e bondade e vai por aí afora? Nenhuma, não é mesmo? Idêntico exercício você pode fazer com a televisão, com o rádio ou com o seu jornal favorito. O resultado será sempre igual.  

Bem, não quero encerrar estas reflexões, que me fazem mal, já que sou incorrigível otimista (todavia, não sou alienado), de forma tão sombria. Para “adoçar” estas esparsas, mas duras considerações, recorro a um dos meus poetas favoritos, Mauro Sampaio. Dele, partilho com vocês este belíssimo poema, intitulado “Utopia”, que diz:

“Sinto este mesmo e enorme desconsolo
que fere os homens.
esta mágoa que abafa as vozes
e seca as lágrimas
Mesmo assim
comovido ergo os braços
na certeza de tocar
as estrelas imutáveis”.

Mas que a humanidade está metida numa encrenca sem tamanho, não tenho como negar. Ou estou errado? Tomara que esteja!!!!


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