Reagan dá o tom
Pedro J. Bondaczuk
A Nicarágua há tempos vem
aguardando uma intervenção militar direta dos EUA em seu território ou, pelo
menos, essa tem sido a justificativa do regime sandinista para manter o país em
estado de alerta, visando a conter essa investida.
O
presidente norte-americano Ronald Reagan não demorou nada para dar o tom de
qual será a sua conduta em relação às esquerdas na América Central nesses
próximos quatro anos. No próprio dia em que foi anunciada a sua esmagadora
vitória eleitoral sobre Walter Mondale, eis que surgem no ar as primeiras
nuvens negras, prenunciando “tempestade”, e das grossas, no continente.
Circulou
pela capital norte-americana a notícia, não se sabe obtida de que forma ou
através de qual fonte, de que um navio soviético (a princípio se afirmou que
era búlgaro) estaria rumando para o porto nicaragüense de Corinto, carregado
com os caças soviéticos Mig-21, para reequipar a obsoleta Força Aérea daquele
país.
Imediatamente,
vários setores do governo dos EUA manifestaram-se, deixando no ar uma ameaça
tácita de que uma carga dessa espécie, destinada aos sandinistas, era motivo de
preocupação e que, portanto, justificava até o uso da força pelos
norte-americanos. Em outras palavras, Washington dizia que poderia invadir a
Nicarágua, embora no eufemístico jargão diplomático.
O
que fica incompreensível para qualquer pessoa medianamente informada, contudo,
é essa atitude policialesca em relação a um país soberano que, eventualmente,
tem a desventura de estar localizado razoavelmente próximo dos EUA.
Dizer
que os Migs-21 representam qualquer espécie de perigo para a segurança
norte-americana, soa como uma anedota de mau gosto. Ainda se fossem foguetes,
como no caso de Cuba, em 1961, a celeuma seria justificável. Mas afirmar que os
Migs trarão desequilíbrio estratégico à área, é querer mesmo forçar um pretexto
para alguma possível ação mais séria contra a Nicarágua.
Afinal,
essa República centro-americana tem o direito de decidir sua própria defesa,
sem ter que dar satisfações para ninguém. Seu regime, embora contestado por
Washington, foi reconhecido pelos norte-americanos em 1979. Portanto, perante o
Direito Internacional, é legítimo.
Fosse
a Nicarágua um Estado dos EUA, ou uma possessão dessa superpotência, ou mesmo
um protetorado, estaria justificada essa proibição. Mas não é o caso. A
impressão que se tem à distância, e reforçada pelas afirmações de brasileiros
que estiveram recentemente em território nicaragüense, é que essa República
centro-americana apenas ainda não foi invadida graças à incompetência da
guerrilha somozista, apoiada pela CIA, que não conseguiu criar, em cinco anos
de atividade, o caos desejado para justificar uma intervenção dos fuzileiros
norte-americanos.
Pode
ser que o pretexto esteja aí, nesse caso dos Migs e não nos surpreenderíamos
nem um pouco se amanhã chegasse um telex urgente, dando conta de que a
Nicarágua foi invadida. Mais dia, menos dia, a menos que os acontecimentos
tomem rumos surpreendentemente diferentes dos atuais, isso fatalmente haverá de
ocorrer. É o preço que os nicaragüenses têm que pagar pela sua localização
geográfica.
(Artigo
publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 9 de novembro de
1984).
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