Sunday, November 02, 2014

Reagan dá o tom


Pedro J. Bondaczuk


A Nicarágua há tempos vem aguardando uma intervenção militar direta dos EUA em seu território ou, pelo menos, essa tem sido a justificativa do regime sandinista para manter o país em estado de alerta, visando a conter essa investida.

O presidente norte-americano Ronald Reagan não demorou nada para dar o tom de qual será a sua conduta em relação às esquerdas na América Central nesses próximos quatro anos. No próprio dia em que foi anunciada a sua esmagadora vitória eleitoral sobre Walter Mondale, eis que surgem no ar as primeiras nuvens negras, prenunciando “tempestade”, e das grossas, no continente.

Circulou pela capital norte-americana a notícia, não se sabe obtida de que forma ou através de qual fonte, de que um navio soviético (a princípio se afirmou que era búlgaro) estaria rumando para o porto nicaragüense de Corinto, carregado com os caças soviéticos Mig-21, para reequipar a obsoleta Força Aérea daquele país.

Imediatamente, vários setores do governo dos EUA manifestaram-se, deixando no ar uma ameaça tácita de que uma carga dessa espécie, destinada aos sandinistas, era motivo de preocupação e que, portanto, justificava até o uso da força pelos norte-americanos. Em outras palavras, Washington dizia que poderia invadir a Nicarágua, embora no eufemístico jargão diplomático.

O que fica incompreensível para qualquer pessoa medianamente informada, contudo, é essa atitude policialesca em relação a um país soberano que, eventualmente, tem a desventura de estar localizado razoavelmente próximo dos EUA.

Dizer que os Migs-21 representam qualquer espécie de perigo para a segurança norte-americana, soa como uma anedota de mau gosto. Ainda se fossem foguetes, como no caso de Cuba, em 1961, a celeuma seria justificável. Mas afirmar que os Migs trarão desequilíbrio estratégico à área, é querer mesmo forçar um pretexto para alguma possível ação mais séria contra a Nicarágua.

Afinal, essa República centro-americana tem o direito de decidir sua própria defesa, sem ter que dar satisfações para ninguém. Seu regime, embora contestado por Washington, foi reconhecido pelos norte-americanos em 1979. Portanto, perante o Direito Internacional, é legítimo.

Fosse a Nicarágua um Estado dos EUA, ou uma possessão dessa superpotência, ou mesmo um protetorado, estaria justificada essa proibição. Mas não é o caso. A impressão que se tem à distância, e reforçada pelas afirmações de brasileiros que estiveram recentemente em território nicaragüense, é que essa República centro-americana apenas ainda não foi invadida graças à incompetência da guerrilha somozista, apoiada pela CIA, que não conseguiu criar, em cinco anos de atividade, o caos desejado para justificar uma intervenção dos fuzileiros norte-americanos.

Pode ser que o pretexto esteja aí, nesse caso dos Migs e não nos surpreenderíamos nem um pouco se amanhã chegasse um telex urgente, dando conta de que a Nicarágua foi invadida. Mais dia, menos dia, a menos que os acontecimentos tomem rumos surpreendentemente diferentes dos atuais, isso fatalmente haverá de ocorrer. É o preço que os nicaragüenses têm que pagar pela sua localização geográfica.

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 9 de novembro de 1984).


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