Obstáculos
para a iluminação
Pedro J. Bondaczuk
A nossa busca por conhecimentos
que, desde que bem elaborados, podem nos conduzir à desejável sabedoria, é,
salvo honrosas exceções, equivocada. Tudo ao redor dos que empreendem essa
“aventura” – e, convenhamos, estes são raros – lhes desperta interesse e aguça
a curiosidade. Até aí, tudo bem. Todavia, o que até pela lógica deveria ser
prioridade absoluta, é negligenciado e sequer cogitado. Refiro-me ao
conhecimento mais importante que há: o autoconhecimento. Você se conhece,
amável leitor? Sabe, pelo menos, quais são seus limites, tanto físicos quanto
mentais e/ou espirituais? Nunca foi surpreendido com alguma reação que tomou à
sua revelia, por não julgar que reagiria dessa determinada forma, e não de
outra muito diferente, face circunstâncias especiais?
Da minha parte confesso, não sem
desagradável constrangimento, que não me conheço. Não, pelo menos, a ponto de
não me surpreender ainda com várias reações minhas, tanto diante de
oportunidades estupidamente perdidas, quanto com atitudes negativas – e que no
meu parâmetro moral tenho como condenáveis – que assumi várias vezes, sem
sequer entender por que. Concluo, pois, que não me conheço. Meu consolo (se é que isso ameniza essa
deficiência) é que não estou sozinho neste tipo de ignorância. Estou na companhia
da imensa maioria de pessoas que vive, viveu ou viverá algum dia. Aliás, são
raros os que sequer pensam nisso, que vejam utilidade prática nesse tipo de
conhecimento.
Contudo, sem a busca dessa
espécie de revelação (e sem sua conseqüente obtenção) jamais atingiremos aquele
estado que os místicos chamam de “iluminação”. Ou seja, o estágio acima da
sabedoria, que já é, por si só, objetivo de dificílimo alcance. É uma condição
que apenas poucos gênios já atingiram ou podem atingir. É o conhecimento
absoluto e irrestrito, o “conhecimento dos conhecimentos”. Lao Tse afirmou a
respeito: “Quem conhece os outros, é sábio. Quem conhece a si mesmo é
iluminado”. Raros são. Eu, confesso constrangido, que não sou. Estou anos-luz
de ser. Tempos atrás, escrevi uma crônica a propósito, posto que em contexto
diverso do que tenho em mente hoje. Observei, na oportunidade: “A nossa mente,
não raro, nos prega peças incríveis. Ou nos apronta surpresas que nos
maravilham e nos deixam atônitos, ou nos trai sem a menor cerimônia e nos
derruba, arrasa e aniquila. Por mais que julguemos nos conhecer, na verdade
somos desconhecidos para nós mesmos, completos estranhos. Sabemos pouco ou nada
a nosso respeito. Isso chega a ser assustador”.
O genial cineasta Steven
Spielberg atribui essa ignorância a nosso próprio respeito ao fato de sermos
seres mutantes. De estarmos constantemente mudando não só na aparência, mas (e
sobretudo) na percepção de tudo o que nos rodeia. Disse, certa feita, em uma
das tantas entrevistas que concedeu: “Todos nós, em cada ano, somos uma pessoa
diferente. Eu não creio que sejamos a mesma pessoa durante toda a nossa vida”.
Também não acredito. Mudamos, e muito, o tempo todo. Só discordo de Spielberg
quando ele diz que em cada ano somos diferentes. Somos, sim, mas A CADA DIA,
mesmo que nós e os que convivem conosco não percebamos. E estas mudanças
oscilam e são ora para melhor, ora para pior. Todavia, raramente nos damos o
trabalho de sequer observá-las, quanto mais de orientá-las, de direcioná-las em
sentido sempre positivo, evolutivo, invariavelmente para melhor.
Na citada crônica que escrevi,
sobre essa questão do autoconhecimento, constatei, em determinado trecho:
“Muitos dos nossos talentos e aptidões permanecem trancados a sete chaves em
substratos profundos do nosso cérebro, que quase sempre nos são inacessíveis
pela vida toda. Pode ocorrer, no entanto, de, sem qualquer aviso prévio, assim,
de surpresa, tudo isso emergir, com força, para o consciente e nos transformar
(para melhor ou para pior). Conheço casos (e não poucos) de pessoas que
passaram a vida toda detestando poesia, achando que se tratava de coisa de
‘maricas’. Aos 60 anos, ou mais, todavia, surpreenderam-se compondo versos de
grande força expressiva e muita sensibilidade e muitos se transformaram, até,
em refinados e prolíficos poetas. Por que isso acontece? Mistério! Mas nossa
mente nem sempre (diria, quase nunca) é tão benigna e generosa nas surpresas
que, amiúde, nos apronta...”. E não é mesmo. Antes fosse.
Por que não procuramos nos
conhecer? As razões são inúmeras e variam de pessoa para pessoa. A imensa
maioria sequer cogita disso. “Acha” que se conhece e ai de quem duvide disso.
Boa parte até tenta, muitas vezes recorrendo à providencial ajuda de
especialistas, mas na “hora da verdade”, resiste inconscientemente, temendo o
que pode encontrar. Sim, amigo leitor, o medo, até instintivo, é o grande, se
não o maior obstáculo na busca, e conseqüente obtenção, do autoconhecimento.
Li, a esse propósito, curiosa opinião do escritor e psiquiatra português,
Antonio Lobo Antunes. O insigne explorador da mente humana escreveu: “Nós somos
casas muito grandes, muito compridas. É como se morássemos apenas num quarto ou
dois. Às vezes, por medo ou cegueira, não abrimos as nossas portas”.
Essa relutância, esse verdadeiro
pavor em descobrir coisas a nosso respeito que poderiam nos decepcionar e até
desestruturar, faz com que interpretemos o que chamamos de “realidade” de
maneira peculiar. Adotamos como parâmetro não o exterior, o que de fato é ou
acontece, mas o que “julgamos” que seja ou aconteça. A escritora francesa (de
descendência cubana), Anais Nin, chegou a essa conclusão de forma pitoresca,
posto que direta. Afirmou: “Não vemos as coisas como são. Vemos as coisas como
somos”. Ou seja, o parâmetro adotado é nossa pessoa. Todavia, como não nos
conhecemos, nossas conclusões tendem a ser ainda mais equivocadas. A premissa
correta, da segunda parte da conclusão de Anais Nin, é: “Vemos as coisas como
JULGAMOS que somos”. Fernando Pessoa disse a mesmíssima coisa, mas com outras
palavras, nestes magníficos versos que ficaram perpetuados por sua genialidade:
“Não sou da altura que me vêem, mas sim da altura que os meus olhos podem ver”.
Essa é a principal razão porque fazemos julgamentos tão injustos e incorretos
sobre tudo e sobre todos.
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