Pacto terá efeito apenas psicológico
Pedro J.
Bondaczuk
As atuais negociações desarmamentistas entre as
superpotências, que certamente deverão desembocar no primeiro acordo entre elas
para a eliminação de um ou de vários tipos de armas nucleares, vão produzir
resultados que na prática não terão grande significado. Não, pelo menos, no
âmbito mundial.
O fim dos mísseis de médio e
curto alcance no território europeu, quando muito, vai beneficiar os governos
desse próprio continente, que ficarão livres de imensos movimentos pacifistas,
com manifestantes cercando continuamente as bases onde esses armamentos estão
estocados. Uma guerra total, caso venha a acontecer, não dependerá desses
foguetes, chamados de “teatro”, por terem sua ação circunscrita a um eventual
campo de batalha na Europa.
Ocorre que as superpotências
dispõem, hoje, de uma ogiva nuclear para cada grupo de 50 mil habitantes.
Portanto, cidades como Campinas, com uma população de 1,1 milhão, teriam ao seu
dispor a “bagatela” de 22 bombas nucleares, centenas de vezes mais potentes do
que aquela que arrasou Hiroshima, no Japão, em 6 de agosto de 1945, nos
estertores da Segunda Guerra Mundial.
Então o leitor perguntará: “Por que tamanho barulho em torno dessas
negociações se o resultado final será tão inexpressivo?”. Afinal, a eliminação
dos mísseis de curto e médio alcance vai significar o fim de menos de 3 mil
ogivas! Ou seja, um quase nada diante da enormidade das que estão guardadas nos
arsenais das superpotências!
Esse eventual acordo, no entanto,
embora em termos práticos represente algo em torno de 3% a menos de perigo e
nada mais, será sumamente importante no caso de ser efetivado. Terá um caráter
pioneiro. Será a primeira vez na história desses artefatos de morte que os
silos serão esvaziados, ao invés de serem abarrotados com novas unidades.
O efeito psicológico pode ser
fabuloso! O acordo criará um clima de
entendimento inédito no mundo nos últimos cinco séculos, marcados por profundas
convulsões armadas, que nem é necessário que sejam mencionadas, por serem
sobejamente sabidas por qualquer estudante com conhecimento mediano de História
Universal.
Os dois gigantes da era moderna
irão entender que é possível um consenso entre eles. Dessa pequena abertura,
poderão surgir novos pactos, de maior profundidade e alcance e quem sabe o
entendimento de que é possível a convivência pacífica mesmo entre desiguais.
É claro que nisso vai uma carga
imensa de esperança e de utopia. Mas o frio desencanto também não deixa de ser
utópico. Pior do que isso: omisso. As pressões sobre os líderes políticos
deverão prosseguir e se possível aumentar, para forçar novos passos em direção
a uma desnuclearização total.
Afinal, eles não são deuses do
Olimpo. Não são, em absoluto, imortais. São frágeis, perecíveis e falhos, como
qualquer um de nós. Por isso, não tem cabimento que lhes entreguemos,
cegamente, o nosso destino, sem tentar fazer nada para evitar o pior.
Não lhes compete decidir, ao seu
único alvitre, quem e até quando deve viver ou não. E a omissão, em última
análise, significa isso. É o mesmo que se sentar nos trilhos de um trem
expresso, numa curva, onde o maquinista não possa ver o incauto que estiver
agindo assim, e depois querer justificar para si próprio que não se tratou de
uma tentativa de suicídio, por não envolver nenhuma ação contra a própria
integridade física. Por isso, por pequeno que seja, que venha esse benfazejo
acordo entre as superpotências, antes que seja tarde demais.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 23
de abril de 1987).
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