Friday, November 21, 2014

Pacto terá efeito apenas psicológico



Pedro J. Bondaczuk


As atuais negociações desarmamentistas entre as superpotências, que certamente deverão desembocar no primeiro acordo entre elas para a eliminação de um ou de vários tipos de armas nucleares, vão produzir resultados que na prática não terão grande significado. Não, pelo menos, no âmbito mundial.

O fim dos mísseis de médio e curto alcance no território europeu, quando muito, vai beneficiar os governos desse próprio continente, que ficarão livres de imensos movimentos pacifistas, com manifestantes cercando continuamente as bases onde esses armamentos estão estocados. Uma guerra total, caso venha a acontecer, não dependerá desses foguetes, chamados de “teatro”, por terem sua ação circunscrita a um eventual campo de batalha na Europa.

Ocorre que as superpotências dispõem, hoje, de uma ogiva nuclear para cada grupo de 50 mil habitantes. Portanto, cidades como Campinas, com uma população de 1,1 milhão, teriam ao seu dispor a “bagatela” de 22 bombas nucleares, centenas de vezes mais potentes do que aquela que arrasou Hiroshima, no Japão, em 6 de agosto de 1945, nos estertores da Segunda Guerra Mundial.

Então o leitor perguntará:  “Por que tamanho barulho em torno dessas negociações se o resultado final será tão inexpressivo?”. Afinal, a eliminação dos mísseis de curto e médio alcance vai significar o fim de menos de 3 mil ogivas! Ou seja, um quase nada diante da enormidade das que estão guardadas nos arsenais das superpotências!

Esse eventual acordo, no entanto, embora em termos práticos represente algo em torno de 3% a menos de perigo e nada mais, será sumamente importante no caso de ser efetivado. Terá um caráter pioneiro. Será a primeira vez na história desses artefatos de morte que os silos serão esvaziados, ao invés de serem abarrotados com novas unidades.

O efeito psicológico pode ser fabuloso!  O acordo criará um clima de entendimento inédito no mundo nos últimos cinco séculos, marcados por profundas convulsões armadas, que nem é necessário que sejam mencionadas, por serem sobejamente sabidas por qualquer estudante com conhecimento mediano de História Universal.

Os dois gigantes da era moderna irão entender que é possível um consenso entre eles. Dessa pequena abertura, poderão surgir novos pactos, de maior profundidade e alcance e quem sabe o entendimento de que é possível a convivência pacífica mesmo entre desiguais.

É claro que nisso vai uma carga imensa de esperança e de utopia. Mas o frio desencanto também não deixa de ser utópico. Pior do que isso: omisso. As pressões sobre os líderes políticos deverão prosseguir e se possível aumentar, para forçar novos passos em direção a uma desnuclearização total.

Afinal, eles não são deuses do Olimpo. Não são, em absoluto, imortais. São frágeis, perecíveis e falhos, como qualquer um de nós. Por isso, não tem cabimento que lhes entreguemos, cegamente, o nosso destino, sem tentar fazer nada para evitar o pior.

Não lhes compete decidir, ao seu único alvitre, quem e até quando deve viver ou não. E a omissão, em última análise, significa isso. É o mesmo que se sentar nos trilhos de um trem expresso, numa curva, onde o maquinista não possa ver o incauto que estiver agindo assim, e depois querer justificar para si próprio que não se tratou de uma tentativa de suicídio, por não envolver nenhuma ação contra a própria integridade física. Por isso, por pequeno que seja, que venha esse benfazejo acordo entre as superpotências, antes que seja tarde demais.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 23 de abril de 1987).


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