Tuesday, November 04, 2014

No final das contas, um saldo positivo


Pedro J. Bondaczuk


O balanço, feito anteontem, pelo presidente José Sarney, embora em alguns aspectos excessivamente otimista, não deixa de ser verdadeiro no seu todo. Mesmo com os percalços surgidos ao longo do ano, que foram desde a súbita doença (e posterior morte) do presidente eleito Tancredo Neves, aos caprichos da natureza, ninguém mais bem intencionado e que não seja derrotista pode negar que a travessia de 1985 foi muito mais suave e bem sucedida do que a de 1984.

A taxa de inflação, é verdade, repetiu a dose do período anterior, devendo fechar em torno dos mesmos 220% ou algo parecido. Mas em contraposição, o Brasil cresceu 6% (segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, essa evolução do nosso PIB foi de 7%), sendo o único Estado latino-americano a registrar crescimento.

No lado político, todo o cronograma de reformas prometidas em campanha e indispensáveis para a nossa institucionalização, foi cumprido. Abriram-se quantos partidos novos a sociedade desejou. Realizaram-se eleições diretas, revestidas de extrema lisura e ordem, para as prefeituras das capitais, estâncias hidrominerais e municípios antes considerados áreas de segurança nacional, num total de 201 cidades.

A convocação da Assembléia Nacional Constituinte foi definida. Poucos governos, em tão curto prazo de tempo e num país tão complexo e problemático como é o nosso, já puderam apresentar um saldo positivo de tanta expressão, como o do presidente José Sarney.

Deixemos o sectarismo obcecante e o dogmatismo caolho de lado e admitamos o óbvio. Esse intelectual maranhense, que o destino colocou no momento exato no lugar certo, se revelou a mais grata surpresa política no Brasil dos últimos tempos.

Quando José Sarney prestou juramento, no dia 15 de março passado, constrangido e visivelmente tresnoitado, para assumir a Presidência da República no lugar de Tancredo Neves, a incredulidade foi geral. Previsões catastróficas, que iam desde o fechamento do regime a uma inflação superior a 500% ou mais, foram despejadas irresponsavelmente sobre a opinião pública, aumentando ainda mais o clima de angústia que os brasileiros viviam.

Greves as mais diversas eram anunciadas com estardalhaço e os partidários do quanto pior melhor garantiam que iriam paralisar o País. Esses movimentos, todavia, se bem que em número poucas vezes visto em nossa história recente, de fato causaram alguns transtornos. Mas no final das contas, o Brasil caminhou, dentro da normalidade, superou obstáculos que se assemelhavam intransponíveis e encerrou 1985 com a melhor performance das três Américas.

Em muitas oportunidades o presidente José Sarney foi chamado de inseguro e excessivamente cauteloso para tomar decisões. Ainda agora, no fim do ano, muitos setores endereçam críticas veladas à sua administração, sempre apontando falhas estruturais que vêm de muitas décadas, como se ele fosse o responsável por isso.

A cada vez que sobem os preços dos combustíveis ou que estoura algum escândalo financeiro, amadurecido há muitos anos, ou que alguma medida mais dura é adotada, é muito comum se ouvir a pergunta: “essa é a Nova República?”

Não, não é essa das falências fraudulentas e das negociatas, ocorridas em ocasiões anteriores. Não é a da legislação por decretos oriunda de decisões partidas de “gurus”, vindas de cima para baixo. Nem a dos casuísmos políticos, que mudavam as regras do jogo eleitoral em vésperas do pleito.

A Nova República é a que calou a voz das cassandras agourentas que apostavam numa inflação de 500%. É a que registrou um crescimento único no Terceiro Mundo e um dos maiores de toda a comunidade internacional. É a que aceita críticas (muitas vezes até desrespeitosas), sem lançar mão de artifícios de qualquer espécie para calar os descontentes. É a que aprova medidas de aumento de imposto não por decreto, mas através dos legítimos representantes da população, os congressistas. A que valoriza a cultura, a ciência e a tecnologia. A que, sem radicalismos e nem promessas que não pode cumprir, promove uma reforma agrária, sem truculência e nem protecionismos. A que não censura e nem ameaça. A que, ao invés de fazer obras dispensáveis, mas que rendam dividendos eleitorais, volta os seus olhares para o sofrido homem brasileiro. Essa, sim, é a Nova República.

Que ela está cheia de erros, é evidente, afinal seus executores são seres humanos, passivos das mesmas falhas e tentações que todos nós. Que alguns setores não caminharam bem, é cristalino, já que ninguém é milagroso. Que o governo ainda vai errar bastante, é extremamente previsível, já que ninguém é perfeito.

Mas não admitir as vitórias do governo, em boa parte dos setores onde atuou, é negar o óbvio. É passar para a opinião pública uma mensagem negativa, que nenhum proveito trará para ninguém. E para os que assim agem, é bom que nunca se esqueçam que eles também estão neste mesmo barco, cujo comando às vezes contestam. Se ele afundar, todos nós pararemos, juntos, no fundo do oceano. É melhor, pois, dar a sua parcela de contribuição para que a embarcação não naufrague. E ela não vai a pique, disso temos a plena certeza.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 22 de dezembro de 1985).


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