No final das contas, um saldo positivo
Pedro J. Bondaczuk
O balanço, feito anteontem,
pelo presidente José Sarney, embora em alguns aspectos excessivamente otimista,
não deixa de ser verdadeiro no seu todo. Mesmo com os percalços surgidos ao
longo do ano, que foram desde a súbita doença (e posterior morte) do presidente
eleito Tancredo Neves, aos caprichos da natureza, ninguém mais bem intencionado
e que não seja derrotista pode negar que a travessia de 1985 foi muito mais
suave e bem sucedida do que a de 1984.
A
taxa de inflação, é verdade, repetiu a dose do período anterior, devendo fechar
em torno dos mesmos 220% ou algo parecido. Mas em contraposição, o Brasil
cresceu 6% (segundo a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, essa
evolução do nosso PIB foi de 7%), sendo o único Estado latino-americano a
registrar crescimento.
No
lado político, todo o cronograma de reformas prometidas em campanha e
indispensáveis para a nossa institucionalização, foi cumprido. Abriram-se
quantos partidos novos a sociedade desejou. Realizaram-se eleições diretas,
revestidas de extrema lisura e ordem, para as prefeituras das capitais,
estâncias hidrominerais e municípios antes considerados áreas de segurança
nacional, num total de 201 cidades.
A
convocação da Assembléia Nacional Constituinte foi definida. Poucos governos,
em tão curto prazo de tempo e num país tão complexo e problemático como é o
nosso, já puderam apresentar um saldo positivo de tanta expressão, como o do
presidente José Sarney.
Deixemos
o sectarismo obcecante e o dogmatismo caolho de lado e admitamos o óbvio. Esse
intelectual maranhense, que o destino colocou no momento exato no lugar certo,
se revelou a mais grata surpresa política no Brasil dos últimos tempos.
Quando
José Sarney prestou juramento, no dia 15 de março passado, constrangido e
visivelmente tresnoitado, para assumir a Presidência da República no lugar de
Tancredo Neves, a incredulidade foi geral. Previsões catastróficas, que iam
desde o fechamento do regime a uma inflação superior a 500% ou mais, foram
despejadas irresponsavelmente sobre a opinião pública, aumentando ainda mais o
clima de angústia que os brasileiros viviam.
Greves
as mais diversas eram anunciadas com estardalhaço e os partidários do quanto
pior melhor garantiam que iriam paralisar o País. Esses movimentos, todavia, se
bem que em número poucas vezes visto em nossa história recente, de fato
causaram alguns transtornos. Mas no final das contas, o Brasil caminhou, dentro
da normalidade, superou obstáculos que se assemelhavam intransponíveis e
encerrou 1985 com a melhor performance das três Américas.
Em
muitas oportunidades o presidente José Sarney foi chamado de inseguro e
excessivamente cauteloso para tomar decisões. Ainda agora, no fim do ano,
muitos setores endereçam críticas veladas à sua administração, sempre apontando
falhas estruturais que vêm de muitas décadas, como se ele fosse o responsável
por isso.
A
cada vez que sobem os preços dos combustíveis ou que estoura algum escândalo
financeiro, amadurecido há muitos anos, ou que alguma medida mais dura é
adotada, é muito comum se ouvir a pergunta: “essa é a Nova República?”
Não,
não é essa das falências fraudulentas e das negociatas, ocorridas em ocasiões
anteriores. Não é a da legislação por decretos oriunda de decisões partidas de
“gurus”, vindas de cima para baixo. Nem a dos casuísmos políticos, que mudavam
as regras do jogo eleitoral em vésperas do pleito.
A
Nova República é a que calou a voz das cassandras agourentas que apostavam numa
inflação de 500%. É a que registrou um crescimento único no Terceiro Mundo e um
dos maiores de toda a comunidade internacional. É a que aceita críticas (muitas
vezes até desrespeitosas), sem lançar mão de artifícios de qualquer espécie
para calar os descontentes. É a que aprova medidas de aumento de imposto não
por decreto, mas através dos legítimos representantes da população, os
congressistas. A que valoriza a cultura, a ciência e a tecnologia. A que, sem
radicalismos e nem promessas que não pode cumprir, promove uma reforma agrária,
sem truculência e nem protecionismos. A que não censura e nem ameaça. A que, ao
invés de fazer obras dispensáveis, mas que rendam dividendos eleitorais, volta
os seus olhares para o sofrido homem brasileiro. Essa, sim, é a Nova República.
Que
ela está cheia de erros, é evidente, afinal seus executores são seres humanos,
passivos das mesmas falhas e tentações que todos nós. Que alguns setores não
caminharam bem, é cristalino, já que ninguém é milagroso. Que o governo ainda
vai errar bastante, é extremamente previsível, já que ninguém é perfeito.
Mas
não admitir as vitórias do governo, em boa parte dos setores onde atuou, é
negar o óbvio. É passar para a opinião pública uma mensagem negativa, que
nenhum proveito trará para ninguém. E para os que assim agem, é bom que nunca
se esqueçam que eles também estão neste mesmo barco, cujo comando às vezes
contestam. Se ele afundar, todos nós pararemos, juntos, no fundo do oceano. É
melhor, pois, dar a sua parcela de contribuição para que a embarcação não
naufrague. E ela não vai a pique, disso temos a plena certeza.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 22 de dezembro de 1985).
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