Manoel de Barros nos
encantou e encantou-se
Pedro
J. Bondaczuk
“O coração de Manoel de
Barros parou, depois de meses sem vontade de viver”. Esta é a criativa manchete
com que o jornal “Campo Grande News” (WWW.campograndenews.com.br),
da capital do Mato Grosso do Sul, anunciou, em seu site, neste 13 de novembro
de 2014, a morte desse mito das letras nacionais e internacionais. Recebo a
notícia com profundo pesar, como se algum parente querido houvesse morrido.
Aliás, o coração parou de bater, mas ele não morreu. Poetas não morrem: ficam
encantados. Pois é, Manoel de Barros encantou-se. Cansou-se de nos encantar.
Foi morar em algum incógnito planeta, orbitando estrela alhures. Partiu, depois
de cumprir sua missão de criar beleza nesta Terra, cada vez mais violenta,
injusta, feia, horrível e depredada. Repito: encantou-se depois de nos
encantar. Seu legado poético, porém, para nossa felicidade, continuará nos
encantando tempo afora, posto que sem mais acréscimos.
“Campo Grande News”
abriu a matéria sobre esta irreparável perda com a mesma originalidade e
competência da manchete. Sua autora, Ângela Kempler, escreveu: “Não existe a
morte para alguém como Manoel de Barros. Não cabe bem, até por sinal de
respeito. O poeta nunca gostou que colocassem data na existência. Então, o dia
é de mais uma daquelas inutilezas que a vida inventa e que ele por tantas vezes
substantivou”. E não é?! Manoel de Barros, certamente, gostaria dessa abertura.
Entendo que seja digna do personagem da matéria. Escrever necrológio
convencional para alguém que dispensava – e mais, abominava – convenções, não
casa bem. É como se diz no interior: “não orna”.
Manoel de Barros, a
crer no testemunho de seus parentes e amigos, “cansou de viver”. Pelo menos de
viver neste mundo, que tinha tudo para ser um Paraíso, mas que, graças á
insensatez e da burrice do pomposamente designado “Homo Sapiens”, malucos
insensíveis e irracionais conseguiram transformar em “sucursal do inferno”. E
olhem que, para os padrões humanos, o poeta até que viveu bastante.
Completaria, em 19 de dezembro próximo, 98 anos de idade, ele que nasceu em
Cuiabá, no Mato Grosso, em 1916. Não se limitou, todavia, em sobreviver.
Produziu, e produziu muito (e bem, principalmente). Consegui catalogar 33
livros dele, publicados, inclusive, na França, Alemanha e Espanha, que começou
a publicar sua obra aos 19 anos e que terminou essa fase de publicações bem
recentemente, em 2013, com o volume “Portas de Pedro Viana”.
Quanto à qualidade da sua
poesia, esta é incontestável. Basta ver a premiação que ela lhe valeu. Destaco
treze delas, entre as quais dois Jabutis, quatro ou cinco Prêmios Nestlé de
Poesias e o cobiçado reconhecimento formal da Academia Brasileira de Letras,
que nunca freqüentou, por jamais haver se candidatado. Manoel de Barros é o
maior entre os maiores poetas brasileiros. Pode não ser considerado assim pelo
grande público, por não viver e não atuar em grandes centros, como São Paulo,
Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília, Recife etc., optando
pela atividade de fazendeiro em Mato Grosso do Sul. Todavia, nos círculos
literários (nacionais e internacionais), é, praticamente, unanimidade e há
muito tempo.
Querem prova? Lá vai
uma. Carlos Drummond de Andrade, enquanto vivo e no auge da produção, recusou o
título de “maior poeta brasileiro”. Afirmou que essa designação caberia como
uma luva a Manoel de Barros. Eu apenas acrescentaria “também”. Há um grupo de
poetas tão bons, que nele não se pode afirmar que haja algum “maior” e que os
demais sejam “menores”.Todos são excelentes, fantásticos, muito acima da média.
São gênios e ponto. Estão, nesse patamar (e provavelmente esquecerei muitos, o
que de forma alguma os diminui), Mário Quintana, Manuel Bandeira, João Cabral de
Melo Neto, Cecília Meirelles, Adélia Prado, Carlos Drummond de Andrade
etc.etc.etc. e...óbvio, Manoel de Barros. São gigantes da poesia. São imortais
legítimos, posto que naquilo que importa. Ou seja, no que fizeram: na sua
poesia, nas metáforas que urdiram, na sensibilidade com que impregnaram
dezenas, centenas, milhares de poemas, Na beleza que perpetuaram.
À exceção de Adélia Prado, que para nossa felicidade
está vivinha da silva, todos os que mencionei (e vários dos que deixei de
mencionar) já nos deixaram. Nos encantaram e... finalmente ficaram encantados.
Mas seus espíritos estão, e estarão sempre, vivinhos, onipresentes, vagando por
toda a parte. Estão na estante da minha biblioteca, por exemplo, na da sua
prezado leitor e certamente na de todas as pessoas servas da beleza, sensíveis,
idealistas e de inegável bom gosto.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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