Thursday, November 13, 2014

Tiro certeiro na mosca

Pedro J. Bondaczuk

A norte-americana Ava Dellaira é uma dessas raras escritoras de “tiro certeiro”. Explico. É das tais autoras que “acertam na mosca” logo no primeiro livro que escrevem que, num piscar de olhos, se torna, subitamente, badalado best-seller. Óbvio que isso não ocorre, apenas, com a ala feminina da literatura. Há vários escritores, mundo afora, na mesma situação. Convenhamos, isso não é lá tão comum, e por “n” motivos. Os mais prováveis são falta de divulgação – ou esta sendo inadequada (o que se verifica em praticamente 90% dos casos) – escolha de temas que não chamem tanto a atenção do público, lançamentos feitos em ocasiões inoportunas e vai por aí afora. É dispensável elencar todos os fatores que levam algum autor ao fracasso, notadamente quando se trata do seu primeiro livro. Quem já passou por essa decepcionante experiência sabe, de sobejo, a causa, ou as causas disso.

Antes de tecer alguns comentários sobre o romance de Ava Dellaira, permitam-me fazer uma pergunta aparentemente ingênua e despropositada, mas que tem tudo a ver com este caso. Vocês já escreveram cartas de amor para pessoas mortas? Não me refiro, aqui, a nenhuma ex-namorada que tenha morrido, nem a um parente muito querido ou mesmo a algum amigo, desses que consideramos como irmãos. Refiro-me a personalidades públicas que vocês tenham “amado”, sem que nunca tivessem conhecido, algum cantor ou cantora de rock, por exemplo, ou astro ou estrela do cinema, da televisão, dos esportes, ou mesmo cientistas, compositores ou escritores? Da minha parte confesso que nunca fiz isso. Mas Ava fez. E o enredo de seu originalíssimo romance gira, exatamente, em torno disso. O título do seu livro, como não poderia deixar de ser, é exatamente este, sem tirar e nem pôr. Ou seja, é “Cartas de amor aos mortos” (ou, em inglês, “Love Letters to the dead”).

A originalidade, contudo, não se restringe, apenas, ao tema e ao desenvolvimento do enredo. Vai além, muito além. Exemplo? O modo de narração. É epistolar. A história é totalmente narrada pelas cartas. E estas foram escritas não para personagens inventados pela autora, mas para personalidades que, embora já mortas, existiram de fato e foram ídolos de toda uma geração. Estão nesse caso (apenas para citar alguns) figuras como Kurt Cobain, como Janis Joplin, como Amy Winehouse ou como a aviadora Amélia Earhart. Isso tudo, porém é contextualizado. Quem escreve as cartas, por exemplo, é uma personagem criada pela autora, no caso, a adolescente Laurel, que é devidamente apresentada ao leitor, assim como a motivação para seu inusitado exercício epistolar (pensando em May, irmã mais velha, a quem era muito ligada e que morreu prematuramente).

As cartas são escritas não porque a pessoa que as escreveu teve subitamente essa fantasia. Não foi isso. Foram redigidas porque esse tipo de redação foi um trabalho de casa exigido pela escola em que a mocinha estudava, proposto por determinada professora, e valendo nota. Não darei mais detalhes do enredo do livro (que está sendo lançado no Brasil pela Companhia das Letras) por razões óbvias. Apenas acrescentarei que Laurel, ao contrário dos colegas de classe, não entregou as cartas que escreveu para a professora. Transformou o caderno em que elas foram escritas em diário. Como todo bom enredo, a adolescente é apaixonada por um jovem colega, Sky, todavia não morto. Vivo. Vivíssimo por sinal. Pelo menos no plano ficcional.

Consegui escassos detalhes a propósito da autora, embora recorrendo ao sempre providencial “Google”. Sei, por exemplo, que Ava nasceu em Los Angeles, mas não tenho a menor idéia de quando, não sendo possível, portanto, determinar sua idade. Deduzo que se trate de uma jovem, mas o quanto? Ignoro. Sei, também, que é formada pela Universidade de Chicago, embora ignore em que curso. Que é mestre pela Iowa Writers Workshop, mas não quando obteve tal mestrado. Sei, ainda, que cresceu em Albuquerque, no Novo México e que reside, atualmente, em Santa Mônica, na Califórnia, onde trabalha na indústria cinematográfica. Em que função ou empresa? Ignoro!

Na carta escrita para Kurt Cobain, Ava (na pele de Laurel) escreve, em certo trecho: “Ultimamente tenho ouvido você de novo. Coloco In Utero, fecho a porta e os olhos e escuto o álbum inteiro várias vezes. É difícil explicar, mas quando estou ali, ouvindo sua voz, sinto que começo a fazer sentido”. Em outro trecho, confidenciou: “Não sei por que, mas nesse lugar, cheio de desconhecidos, fico feliz que Sky e eu estejamos respirando o mesmo ar. O mesmo ar que você respirou”.

Finalmente reproduzo o trecho em que a personagem Laurel justifica porque não entregou o trabalho escolar: “Hoje, no fim da aula, quando a senhora Buster pediu para entregarmos as cartas, olhei para o caderno em que tinha escrito a minha e o fechei. Assim que o sinal tocou, recolhi meu material e saí. Tem coisas que não posso contar pra ninguém além das pessoas que já não estão mais aqui”. O fato é que Ava Dellaira deu um único tiro, mas sumamente certeiro, pois acertou bem na mosca do sucesso. Sabe-se que está escrevendo seu segundo romance, enfocando tema atualíssimo, ou seja, as redes sociais (Facebook, Twitter, Instagram etc.etc.etc.). Fará sucesso como fez (e está fazendo) com “Cartas de amor aos mortos”? Como saber?


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